Antropologia
e humanismo
Como já vimos, no sentido etimológico,
antropologia significa o estudo do homem, de modo que para Abbgnamo, antropologia é a exposição sistemática dos conhecimentos que
se têm a respeito do homem, visando portanto, fundar ou constituir um saber
científico que toma o homem como o objeto do estudo (ASSIS; KÜMPEL,
2012).
- BASE FUNDANTE DO HUMANISMO DEMOCRÁTICO
No entanto, Lévi-Strauss
defende que a antropologia pode ser considerada a base fundante do humanismo
democrático que clama pela
reconciliação do homem com a natureza na medida em que a antropologia procede
de certa concepção do mundo ou da maneira original de colocar os problemas, uma
e outra descoberta por ocasião do estudo de fenômenos sociais que tornam
manifestas certas propriedades gerais da vida social. (ASSIS; KÜMPEL, 2012).
- ETAPAS DO HUMANISMO – OS TRÊS HUMANISMOS
1.1.1. Etapas do humanismo em estudo
intitulado Os três humanismos, LéviStrauss (1993: 277 a 280) constata que, para
a maioria das pessoas, a antropologia aparece como uma ciência nova, um
refinamento e uma curiosidade do homem moderno pelos objetos, costumes e
crenças dos povos ditos selvagens. Observa, porém, que a antropologia
não é nem uma ciência à parte, nem uma ciência nova; é a forma mais antiga e
geral do que se costuma designar por humanismo. O
humanismo, segundo o autor, pode ser decomposto em três etapas: a) a da
Renascença; b) a dos séculos XVIII e XIX; e c) a atual.
a) Humanismo da Renascença – A Técnica do Estranhamento
O
humanismo da Renascença redescobre a antiguidade greco-romana e faz do grego e
do latim a base da formação intelectual. Nesse sentido, esboça uma primeira
forma de antropologia, na medida em que reconhece que nenhuma civilização pode
pensar a si mesma, se não dispuser de algumas outras que lhe sirvam de
comparação. A
Renascença reencontra, na literatura antiga, noções e métodos
esquecidos; porém, mais especialmente, encontra o meio de colocar sua própria
cultura em perspectiva, confrontando as concepções renascentistas com as de
outras épocas e lugares. Através da língua (grego e latim) e dos textos clássicos, os
homens da Renascença encontraram um método intelectual que pode ser denominado
técnica do estranhamento.
b) Humanismo dos séculos XVIII e XIX - Etnocentrismo
O humanismo dos séculos XVIII e XIX atua
numa extensão mais ampla. O progresso da exploração
geográfica colocou o homem europeu em contato com o acervo cultural das
civilizações mais longínquas, como China, Índia e América. Trata-se de um
humanismo ligado aos interesses industriais e comerciais que lhe serviam de
apoio, motivo pelo qual, mesmo diante da multiplicidade cultural, carrega
valores ligados ao etnocentrismo, na medida em que estabelece a
identificação do sujeito com ele mesmo, e da cultura com a cultura europeia.
c) Humanismo atual – As três Superfícies de conhecimento antropológico –
Humanismo duplamente universal
O humanismo atual, por intermédio
da antropologia, percorre sua terceira etapa ao focar as sociedades primitivas, as últimas civilizações ainda desdenhadas. Para
Lévi-Strauss, esta será, sem dúvida, a última etapa, porque, após ela, o homem
nada mais terá para descobrir sobre si mesmo, ao menos em termos de extensão.
Os dois primeiros humanismos, segundo ele, estavam limitados em superfície e
qualidade, especificamente porque: a) as civilizações
antigas tinham desaparecido e só poderiam ser conhecidas pelos textos ou monumentos;
b) as civilizações longínquas (Oriente e Extremo Oriente), ainda que possuíssem
textos e monumentos, só mereciam interesse por suas produções mais eruditas e
refinadas; c) as sociedades
primitivas não despertavam interesse porque não possuíam documentos escritos e
a maioria delas nem sequer possuía monumentos figurados. Para superar
essas limitações e preconceitos, a antropologia depara-se com a necessidade de
dotar o humanismo de novos instrumentos de investigação. A
antropologia, conforme Lévi-Strauss, ultrapassa o humanismo tradicional
em todos os sentidos, visto que seu terreno engloba a totalidade da terra
habitada, enquanto seu método reúne procedimentos que provêm tanto das ciências
humanas e sociais como das ciências naturais, portanto, de todas as formas do
saber. No seu estágio atual, a
antropologia fez progredir o conhecimento em três direções: a) em superfície,
porque se interessa por todas as sociedades, sejam simples ou complexas; b) em
riqueza dos meios de investigação, porque, em função das características
particulares das sociedades primitivas, introduziu novos modos de conhecimento
que podem ser aplicados ao estudo de todas as outras sociedades, inclusive as
sociedades contemporâneas mais complexas, como é o caso da sociedade europeia e
da norte-americana; c) na ampliação dos beneficiários, porque, ao contrário do
humanismo clássico restrito aos beneficiários da classe privilegiada, alcança
as populações das sociedades mais humildes. A antropologia marca, portanto, o advento de um
humanismo
duplamente universal: a) primeiro: procurando sua inspiração
no cerne das sociedades mais humildes e desprezadas, proclama que nada de
humano poderia ser estranho ao homem, e funda assim um
humanismo democrático que se opõe aos que o precederam, criados para
privilegiados, a partir de civilizações privilegiadas; b) segundo: mobilizando métodos e
técnicas tomados de empréstimo a todas as ciências, para fazê-los servir ao
conhecimento do homem, a antropologia clama pela reconciliação do homem e da
natureza, num humanismo generalizado. Há, portanto,
na base dessa nova antropologia a afirmação do princípio de alteridade e a negação do etnocentrismo.
Afirmar a alteridade significa fazer
um apelo ao homem para reconhecer-se no outro, especificamente para reconhecer-se
nas carências do outro e enxergar seus privilégios como expressão direta das
privações do outro. Negar o
etnocentrismo significa posicionar-se contra a atitude que consiste em
supervalorizar a própria cultura e considerar as demais como inferiores,
selvagens, bárbaras e atrasadas. O
nacionalismo exacerbado é uma via para o etnocentrismo principalmente quando se
manifesta por meio de comportamento agressivo, de atitudes de superioridade e
de hostilidade. A discriminação, o proselitismo, a violência, a agressividade
são formas de expressar o etnocentrismo e negar a alteridade. A ausência de
alteridade e a presença do etnocentrismo explicam por que algumas práticas dos
índios da costa brasileira, como a antropofagia e a nudez, foram condenadas e
consideradas selvagens pelos europeus. Isso certamente ocorreu porque a
avaliação dos padrões culturais dos índios não foi feita em relação ao contexto
cultural dos próprios índios, mas de acordo com os valores éticos e morais
predominantes na cultura europeia.
(Antropofagia no Brasil em 1557, segundo a
descrição de Hans Staden.)
Para chegar ao estágio atual da
Antropologia de Superfície, houve necessidade de se romper com enormes
preconceitos com relações ao que foi classificado como primeiras etapas do
humanismo. Neste sentido:
a) em um primeiro momento, a antropologia
não se despertou interesse por civilizações antigas que tinham desaparecidos,
havendo interesse apenas por aquelas que haviam deixado textos ou monumentos,
ou seja, para a antropologia, se não houvesse texto ou monumento, não havia
interesse de estudo;
b) também com relação as civilizações
longínquas (Oriente e Extremo Oriente), ainda que possuíssem textos e
monumentos, só houve interesse da antropologia
as produções relacionadas aos textos e monumentos que se revelassem mais
eruditas ou refinadas, não despertando interesse de estudo os demais relatos,
ainda que, sabemos hoje, que costumes milenares vigoram nessas civilizações até
hoje, como por exemplo o caso citado em sala de aula de um Líder Tribal de uma
Vila conceder refúgio a soldados estrangeiros e os Talibãs mesmo em maior
número respeitar referido refúgio e deixarem o combate. Isso demonstra o quanto
se perdeu de conhecimento pelo preconceito em se estudar mais profundamente
essas sociedades;
c) Por
fim, em um primeiro momento, as sociedades primitivas não despertavam interesse
porque não possuíam documentos escritos e a maioria delas nem sequer possuía
monumentos figurados.
Para superar o preconceito dos exemplos
citados acima, a Antropologia precisou reconhecer a necessidade de mudar sua
forma de ver as mais diversas sociedades humanas em sua natural complexidade e adotar novas
formas de investigação, o que vai, por exemplo, ser fundamental para atingirmos
uma das mais importantes direções ou novas etapas do atual estágio da
Antropologia se organizando em três direções e a principal direção é
classificada como ANTROPOLOGIA NA DIREÇÃO DA SUPERFÍCIE, ou seja, ampliação da
superfície de estudos.