O Supremo Tribunal Federal libera a execução do Curso de Extensão Golpe de Estado de 2016 da UEMS - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - Unidade Universitária de Paranaíba. O Curso havia sido suspenso em decisão liminar proferida em uma Ação Civil Pública.
Trata-se de uma importante decisão para as liberdades democráticas, a liberdade de livre expressão do pensamento, liberdade de cátedra, liberdade de aprender e ensinar dentre outras.
O curso da UEMS era o único curso que permanecia sobre censura do Poder Judiciário no país já que houve pacificação do entendimento na esfera Federal quanto a liberdade de cátedra envolvendo cursos semelhantes de modo que todos os demais cursos equivalentes, principalmente nas Universidades Federais haviam sido devidamente liberados e os respectivos processos judiciais que tentaram interditar as discussões e execução dos cursos devidamente arquivados com o entendimento de prevalência da liberdade de cátedra e de que o Poder Judiciário não deve interferir nos princípios correlatos a livre manifestação do pensamento, liberdade de cátedra, liberdade de aprender e ensinar, pluralismo jurídico dentre outros.
Com relação ao Curso oferecido pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba, como houve uma interrupção do curso por 2 anos, referida decisão provocou profundo prejuízo ao curso o que demandará toda uma reorganização do mesmo que exigirá atualização de seu conteúdo, reabertura das inscrições dos discentes e público em geral interessados e, reorganização dos professores docentes que iriam e ou irão ministrar o mesmo.
De qualquer maneira, nossa intenção, por
uma questão de prudência, é aguardar uma decisão judicial definitiva a respeito
do curso já que tanto a decisão que suspendeu o curso, proferida pelo juiz da
Segunda Vara Civil de Paranaíba, como a decisão do Supremo Tribunal Federal
proferida pelo magistrado Luiz Fux são decisões liminares.
Veja a seguir ambas as decisões em sua
íntegra, bem como, a repercussão em alguns sites de notícia:
MEDIDA
CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO 39.089
MATO GROSSO DO SUL
RELATOR : MIN. LUIZ FUX
RECLTE.(S) : ALESSANDRO
MARTINS PRADO
ADV.(A/S) : EDGAR
AMADOR GONCALVES
FERNANDES
RECLDO.(A/S) : JUIZ DE DIREITO DA 2ª VARA CÍVEL DA
COMARCA
DE PARANAÍBA
ADV.(A/S) : SEM
REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S) : NÃO INDICADO
RECLAMAÇÃO. CONSTITUCIONAL. DIREITO À
LIBERDADE DE EXPRESSÃO. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA. DECISÃO RECLAMADA QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO DA
MINISTRAÇÃO DE CURSO UNIVERSITÁRIO E A ADAPTAÇÃO
DO CONTEÚDO PROGRAMÁTICO.
ALEGADA VIOLAÇÃO À AUTORIDADE DA DECISÃO DESTE STF NA ADPF 130. OCORRÊNCIA. TUTELA
PROVISÓRIA DE URGÊNCIA CONCEDIDA.
DECISÃO: Trata-se de reclamação, com
pedido de medida liminar, ajuizada por Alessandro Martins Prado contra decisão
proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível
da Comarca de Paranaíba do Poder Judiciário
do Estado de Mato Grosso do Sul, nos autos da Ação Popular 0801502- 47.2018.8.12.0018,
por suposta ofensa à autoridade da decisão proferida por este Supremo Tribunal Federal
nos autos da ADPF 548.
Extrai-se da decisão ora reclamada, in verbis:
“(...)
Ante o exposto, hei por bem acolher
o parecer do Ministério Público e DEFERIR PARCIALMENTE A LIMINAR pleiteada pelo
RCL 39089 MC / MS
autor, para o fim de determinar a
suspensão do curso "Golpe de Estado de 2016, conjunturas sociais,
políticas, jurídicas e o futuro da democracia no Brasil" até que a
aprovação, por este juízo, das seguintes alterações em seu conteúdo
programático ou a demonstração
de que já estão contempladas no projeto original:
1
-
inclusão de conteúdo produzido no âmbito de projetos de pesquisa científica realizados
pela UEMS sobre o processo de impedimento da ex-Presidente da República Dilma
Roussef, como forma de garantir a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão (art. 207, caput, CF);
2
-
inclusão de textos e autores que exponham o ponto de vista de que o processo de
impedimento ex-Presidente da República Dilma Roussef foi legítimo, como forma
de assegurar o pluralismo de ideias (art. 206, inc. III, CF).”
Informa o
reclamante que é docente da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul – UEMS
e que elaborou projeto acadêmico, aprovado
pela universidade, intitulado “Golpe de Estado de 2016, conjunturas sociais, políticas, jurídicas e o futuro da democracia no Brasil”.
Relata,
contudo, que o juízo ora reclamado concedeu liminar para suspender o curso em
referência, nos autos de Ação Popular ajuizada em face da Universidade.
Narra que a
UEMS postulou a revogação da medida liminar, uma vez que estaria em desacordo
com a decisão proferida por esta Suprema Corte no julgamento da ADPF 548, porém
seu pedido foi indeferido pelo juízo reclamado, mantendo-se a liminar de
suspensão do curso, com a designação de audiência
de instrução e julgamento para o dia 26/05/2020.
Sustenta que a decisão reclamada
contrariou entendimento do Supremo Tribunal
Federal firmado na ADPF 548, haja vista que a decisão proferida pela
relatora Min. Cármen Lúcia, e posteriormente referendada pelo Plenário desta Suprema Corte, “teve efeito vinculante para contra todos os atos judiciais e administrativos emanados
de autoridade pública,
que tinham por objetivo
interferir face aos preceitos liberdade de manifestação do pensamento ,
autonomia universitária”.
2
RCL 39089 MC / MS
Requer, liminarmente, a suspensão do Processo 0801502-
47.2018.8.12.0018. No mérito, postula a confirmação da medida liminar
requerida, “para a anulação das decisões
do juízo da 2ª Vara Cível de
Paranaiba/MS no processo nº. 0801502- 47.2018.8.12.0018 suspendeu o
prosseguimento do curso ‘Golpe de Estado de 2016,conjunturas sociais,
políticas, jurídicas e o futuro da democracia no Brasil’, bem como, em
ato continuo indeferiu requerimento de perda de objeto da ação (doc. anexo), em
razão da afronta à autoridade da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF nº 548 DF”.
É o relatório necessário. DECIDO.
Ab initio, pontuo que a via processual da reclamação, por expressa determinação
constitucional, destina-se a preservar a competência desta Suprema Corte e
garantir a autoridade de suas decisões, ex
vi do artigo 102, inciso I, alínea l,
além de salvaguardar o estrito cumprimento das súmulas vinculantes, nos termos
do artigo 103-A, § 3º, da Constituição da República, incluído pela Emenda
Constitucional 45/2004.
In casu, sustenta a parte autora que a decisão reclamada teria incorrido em afronta ao teor da medida cautelar
proferida pela Eminente Ministra Carmén Lúcia e
referendada pelo Plenário deste Supremo Tribunal
Federal na ADPF 548.
Eis a ementa e o dispositivo da mencionada decisão:
“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. ELEIÇÕES 2018:
MANIFESTAÇÕES EM INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR. ATOS DO PODER PÚBLICO: BUSCAS
E APREENSÕES. ALEGADO DESCUMPRIMENTO A PRECEITOS FUNDAMENTAIS: PLAUBILIDADE
JURÍDICA DEMONSTRADA. EXCEPCIONAL URGÊNCIA QUALIFICADA CONFIGURADA: DEFERIMENTO
CAUTELAR AD REFERENDUM DO PLENÁRIO. (…)
“14. Pelo
exposto, em face da urgência qualificada comprovada
no caso, dos riscos advindos
da manutenção dos atos indicados na
3
RCL 39089 MC / MS
peça inicial da
presente arguição de descumprimento de preceito fundamental e que poderiam se
multiplicar em face da ausência de manifestação judicial a eles contrária,
defiro a medida cautelar para, ad referendum do Plenário deste Supremo Tribunal Federal, suspender
os efeitos de atos judiciais ou administrativos,
emanado de autoridade pública que possibilite, determine ou promova
o ingresso de agentes
públicos em universidades públicas e privadas, o recolhimento de documentos, a
interrupção de aulas, debates ou
manifestações de docentes e discentes universitários, a atividade
disciplinar docente e discente e a coleta irregular de depoimentos
desses cidadãos pela prática de manifestação livre de ideias e
divulgação do pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos
sob a administração de universidades públicas e privadas e serventes
a seus fins e desempenhos” (grifei).
A leitura da
íntegra do acórdão paradigma demonstra que o Plenário do Supremo Tribunal Federal se posicionou de forma
veemente em favor da garantia à liberdade de expressão e à difusão do
pensamento no âmbito das universidades,
em observância ao quanto prescrito nos artigos 206 e 207 da Constituição Federal:
“Art. 206. O ensino será
ministrado com base nos seguintes princípios: (...)
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de
concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas
de ensino; (...)”
Art. 207.
As universidades gozam de autonomia didático- científica, administrativa e de
gestão financeira e patrimonial, e obedecerão
ao princípio de indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão...”.
A decisão
paradigmática, proferida pelo Plenário na Medida Cautelar na ADPF 548 é
tributária da visão, também já pacificada no
STF,
4
RCL 39089
MC / MS
segundo a qual nosso sistema
constitucional dedica especial cuidado à tutela da liberdade de expressão e
informação, enquanto instrumentos imprescindíveis para o resguardo e a promoção
das liberdades públicas e privadas dos cidadãos.
Com efeito, é por meio do acesso a
um livre mercado de ideias que se
potencializa não apenas o desenvolvimento da
dignidade e da
autonomia individuais, mas também a
tomada de decisões
políticas em um ambiente democrático. Nos dizeres do
professor alemão Konrad Hesse, [a] liberdade de informação é pressuposto da publicidade democrática; somente o cidadão informado está em condições de formar um juízo próprio
e de cooperar, na forma
intentada pela Lei Fundamental, no processo democrático. (HESSE, Konrad.
Elementos de direito constitucional na República Federal
da Alemanha. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, tradução de Luís Afonso Heck, p. 304-305).
No
julgamento da MC na ADPF 548, o Plenário do STF assentou o estreito liame
existente entre a a garantia à liberdade de expressão e a autonomia
universitária, na medida em que as universidades se caracterizam como espaços
privilegiados de formação intelectual, pessoal e política dos indivíduos em
decorrência do pluralismo de ideias que nelas existe e deve existir.
No ponto,
são absolutamente esclarecedoras as seguintes palavras da Eminente Ministra Carmén Lúcia, retiradas
do corpo do acórdão paradigma:
“As normas
constitucionais acima transcritas harmonizam-se, como de outra forma não seria,
com os direitos às liberdades de expressão do pensamento, de informar-se, de
informar e de ser informado, constitucionalmente assegurados, para o que o
ensino e a aprendizagem conjugam-se assegurando espaços de libertação da
pessoa, a partir de ideias e compreensões do mundo convindas ou desavindas e
que se expõem para convencer ou simplesmente como exposição do entendimento de
cada qual.
A autonomia
é o espaço de discricionariedade deixado constitucionalmente à atuação
normativa infralegal de cada
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RCL 39089 MC / MS
universidade para o excelente
desempenho de suas funções constitucionais.
Reitere-se: universidades são
espaços de liberdade e de libertação pessoal
e política. Seu título indica
a pluralidade e o respeito às diferenças, às divergências
para se formarem consensos, legítimos apenas
quando decorrentes de manifestações livres.
Discordâncias são próprias
das liberdades individuais. As pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As pessoas criticam.
Não se tornam por isso não gratas. Democracia não é
unanimidade. Consenso não é imposição.
Daí ali ser
expressamente assegurado pela Constituição da República a liberdade de aprender
e de ensinar e de divulgar livremente o pensamento, porque sem a manifestação
garantida o pensamento é ideia engaiolada.
Também o
pluralismo de ideias está na base da autonomia universitária como extensão do
princípio fundante da democracia brasileira, que é exposta no inc. V do art.
1o. da Constituição do Brasil.
Pensamento
único é para ditadores. Verdade absoluta
é para tiranos. A democracia é plural em sua essência.
E é esse princípio que assegura a igualdade de direitos
individuais na diversidade dos indivíduos”.
Com base nestes
fundamentos, determinou o Plenário deste Supremo Tribunal Federal que fossem suspensos os
efeitos de atos judiciais e administrativos que
determinem, entre outras coisas, “a interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e discentes
universitários”, além de atos que visassem o embaraçamento da “manifestação livre de ideias e divulgação do
pensamento nos ambientes universitários ou em equipamentos sob a administração
de universidades públicas e privadas
e serventes a seus fins e desempenhos”.
Nada
obstante referida decisão vinculante desta Corte, o juízo reclamado houve por
bem suspender a ministração de
curso universitário, aprovado
pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, determinando o aditamento programático.
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RCL 39089
MC / MS
O contexto
fático destes autos em cotejo com o precedente paradigma está a indicar, a
menos em sede de cognição não exauriente, a inobservância da autoridade da
decisão desta Corte na MC na ADPF 548, a recomendar a concessão de tutela
provisória na espécie.
Ex positis, por entender, em sede de juízo
sumário, ofendida a autoridade da decisão deste Supremo Tribunal Federal na ADPF 548, CONCEDO TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA, a fim de que seja
suspensa a eficácia das decisões
reclamadas, proferidas no processo nº 0801502-47.2018.8.12.0018 que corre
perante a 2ª Vara Cível da Comarca de Parnaíba/BA, até o julgamento
final da presente reclamação.
Notifique-se
a autoridade reclamada acerca do teor da presente decisão, com a requisição de
apresentação de informações (art. 989, I, do CPC).
Cite-se a
parte beneficiária da decisão reclamada (autor popular do processo de origem),
para que apresente contestação no prazo legal (art. 989, III, do CPC).
Após, à Procuradoria-Geral da República, para manifestação (art.
991 do CPC).
Publique-se.
Brasília, 11 de março de 2020.
Ministro LUIZ FUX
Relator
Documento assinado digitalmente
Poder Judiciário
Estado de Mato Grosso do Sul
Paranaíba
2ª Vara Cível
Autos 0801502-47.2018.8.12.0018
Ação: Ação Popular
Autor: JOÃO HENRIQUE MIRANDA
SOARES CATAN
Réu: Fundação Universidade
Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS
Vistos, etc.
Trata-se de Ação Popular ajuizada por João Henrique Miranda Soares Catan em
face da Universidade Estadual do Estado
de Mato Grosso do Sul - UEMS, ambos
devidamente qualificados nos autos, sob o argumento de que a ré está a promover
o curso denominado "Golpe de Estado de 2016, conjunturas sociais,
políticas, jurídicas e o futuro da democracia
no Brasil", fato que caracteriza desvio da finalidade prevista no
ordenamento jurídico para a organização e funcionamento do ensino superior,
tendo em vista que a abordagem do curso atenta contra o sistema jurídico atual,
na medida em que busca induzir ao público alvo do curso a uma visão
ideologicamente enviesada dos fatos, sem embasamento científico. Alegou que a
utilização do espaço da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul para
realização do curso importa em dispêndio de recursos públicos em benefício de
interesses particulares, consubstanciando ato atentatório à moralidade e à
impessoalidade, princípios que regem a Administração Pública. Afirmou que a
autonomia universitária deve obedecer aos limites previstos no texto
constitucional, tais como os princípios da indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão e o princípio do pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas. Requereu o deferimento de medida liminar para determinar a
imediata suspensão do curso, proibição de realização do curso nas dependências
da universidade e emissão de nota oficial informativa. Ao final, pediu a
declaração de nulidade do ato administrativo que autorizou a criação do curso e
permitiu a utilização do espaço e estrutura da universidade para realização do
curso, a condenação dos responsáveis pelo curso ao pagamento de perdas e danos,
além de reparação por danos morais coletivos. Juntou os documentos de f. 33/52.
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Regularmente intimada, a parte ré
apresentou manifestação escrita às f. 68/71, na qual alegou que a suspensão
liminar do curso acarretaria prejuízo à universidade e aos interessados na
realização do curso e configuraria violação à autonomia pedagógica da
universidade pública e à liberdade de cátedra dos professores. Alegou que o
curso foi regularmente aprovado pela instâncias da universidade e não tem
caráter obrigatório, pois a participação do público interno e externo é
facultativa. Afirmou que não há, no caso concreto, a demonstração da
probabilidade do direito e do risco ao resultado útil do processo. Requereu o
indeferimento da medida liminar almejada pelo autor.
É o relatório.
Decido.
Oportuno assinalar, de início, que o
autor é parte legítima para ajuizar a presente ação popular, haja vista que o
ordenamento jurídico exige como requisito unicamente a cidadania brasileira,
sendo irrelevante o fato de seu domicílio eleitoral estar fixado na capital do
Estado.
Nesse sentido a
jurisprudência do c. STJ:
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO
POPULAR. ELEITOR COM DOMICÍLIO ELEITORAL EM MUNICÍPIO ESTRANHO ÀQUELE EM QUE
OCORRERAM OS FATOS CONTROVERSOS. IRRELEVÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CIDADÃO. TÍTULO
DE ELEITOR. MERO MEIO DE PROVA. 1. Tem-se,
no início, ação popular
ajuizada por cidadão residente e eleitor em Itaquaíra/MS em razão de fatos
ocorridos em Eldorado/MS. O magistrado de primeiro grau entendeu que esta
circunstância seria irrelevante para fins de caracterização da legitimidade
ativa ad causam, posição esta mantida pelo acórdão recorrido - proferido em
agravo de instrumento. 2. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter
havido violação aos arts. 1º, caput e § 3°, da Lei n. 4.717/65 e 42, p. único, do Código Eleitoral, ao argumento de
que a ação popular foi movida por eleitor de Município outro que não aquele
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onde se processaram as
alegadas ilegalidades. 3. A Constituição da República vigente, em seu art. 5º,
inc. LXXIII, inserindo no âmbito de uma democracia de cunho representativo
eminentemente indireto um instituto próprio de democracias representativas
diretas, prevê que "qualquer cidadão é parte legítima para
propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público
ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa,
ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o
autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência". 4. Note-se que a
legitimidade ativa é deferida a cidadão. A afirmativa é importante
porque, ao contrário do que pretende o recorrente, a legitimidade ativa não é do eleitor, mas do
cidadão. 5. O que ocorre é que a Lei n.
4717/65, por seu art. 1º, § 3º, define que a cidadania será provada por
título de eleitor. 6. Vê-se, portanto, que a
condição de eleitor não é condição de legitimidade ativa, mas apenas e
tão-só meio de prova documental da cidadania, daí porque pouco importa
qual o domicílio eleitoral do autor da ação popular. (...) 7. O art.
42, p. único, do Código Eleitoral estipula um requisito para o exercício da
cidadania ativa em determinada circunscrição eleitoral, nada tendo a ver com
prova da cidadania. Aliás, a redação é clara no sentido de que aquela
disposição é apenas para efeitos de inscrição eleitoral, de alistamento
eleitoral, e nada mais. 8. Aquele
que não é eleitor em certa circunscrição eleitoral não necessariamente
deixa de ser eleitor, podendo apenas exercer sua cidadania em outra
circunscrição. Se for eleitor, é cidadão para fins de ajuizamento de
ação popular. 9. O indivíduo
não é cidadão de tal ou qual Município, é "apenas" cidadão,
bastando, para tanto, ser eleitor. 10. Não custa mesmo asseverar que
o instituto do "domicílio eleitoral" não guarda tanta sintonia com o
exercício da cidadania, e sim com a necessidade de organização e fiscalização
eleitorais. (...)" (REsp 1242800/MS, Rel. Ministro
MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/06/2011, DJe
14/06/2011) Grifei.
Dito isso, passo
ao exame do pedido de tutela de urgência.
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Cumpre esclarecer, neste ponto, que não
comporta guarida a alegação da parte ré, em sua manifestação prévia, no sentido
de que uma decisão judicial que acolha em alguma medida o pedido de tutela de
urgência configuraria violação à autonomia didático-científica da universidade
e à liberdade de cátedra do professor.
Com efeito, nem a autonomia universitária
e nem a liberdade de cátedra assegurados pela Constituição Federal jamais podem
ser interpretados e aplicados de tal modo que se constituam em uma carta branca
para desrespeitar os demais princípios e normas previstos no próprio texto
constitucional.
Sobre o tema, trago à colação elucidativo
trecho do voto proferido pelo eminente Ministro Paulo Brossard no julgamento da
ADI n. 51 pelo plenário do Supremo Tribunal Federal:
"(...) 7. Não se suponha que a autonomia de que goza a Universidade a
coloque acima das leis e independente de qualquer liame com a
administração (...) 8. De resto, na
própria Constituição se podem encontrar preceitos que auxiliam a modelar
o alcance da autonomia assegurada à Universidade. (...) 10. De modo
que, por mais larga que seja a
autonomia universitária - 'didático-científica, administrativa e de
gestão financeira e patrimonial' - ela não significa independência em
relação à administração pública, soberania em relação ao Estado.
(...) 11. De mais a mais, a Universidade integra a administração pública; o
serviço que ela presta é público (...). Autônomo é o Estado-membro, peça
integrante da federação, pessoa jurídica de direito público e de existência
necessária. Tem autonomia política, além da autonomia administrativa, no
entanto, está sujeito às leis do país e até a intervenção, em seus assuntos
domésticos, pode sofrer em desobedecendo aos princípios constitucionais a que está sujeito. (...) A autonomia, é de evidência solar, não
coloca a
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Universidade em posição superior à lei. Fora assim e a Universidade
não seria autônoma, seria soberana. E no território nacional haveria
manchas nas quais a lei não incidiria, porque afastada pela autonomia. (...) É preciso ter presente esse dado elementar e, não obstante,
fundamental. A Universidade não deixa de integrar administração pública,
e o fato de ela gozar da autonomia, didática, administrativa, disciplinar,
financeira, não faz dela um órgão soberano, acima das leis e
independente da República." (STF – ADI
nº 51-9/RJ, Rel. Min. PAULO BROSSARD, DJ de 17.09.1993) Grifei.
Outro aspecto a ser considerado é o fato
de que a promoção do curso questionado nesta ação evidentemente gera para a
universidade gastos decorrentes da utilização de espaço físico, energia
elétrica, material didático e mobilização de pessoal de apoio
técnico-administrativo e do corpo docente da instituição.
Também é necessário considerar ainda o
denominado "custo de
oportunidade", na medida em que os recursos públicos (espaço físico, carga
de trabalho dos servidores, etc.) são limitados e devem ser aplicados com
observância do princípio da eficiência, previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal.
Feitas essas considerações, anoto que o
exame da documentação acostada aos autos revela, ao menos em sede de um juízo
de cognição sumária, próprio desta fase processual, o descumprimento dos
princípios constitucionais da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e
extensão e ao pluralismo de ideias.
Senão vejamos. De acordo com a documentação
acostada às f. 149/192 dos autos, o ato administrativo combatido pelo autor da
ação popular qualifica-se como um curso de extensão universitária.
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Sabe-se que a extensão universitária é a
ação da universidade junto à comunidade cuja finalidade é compartilhar com o
público externo o conhecimento adquirido por meio do ensino e da pesquisa
desenvolvidos na instituição.
Basta uma leitura do tópico
"Informações Relevantes para Avaliação da Proposta", que se encontra
à f. 157, para perceber que o curso questionado nesta ação faz parte de uma
ação coordenada, de natureza política, com o objetivo declarado de
"reagir" a um pronunciamento do atual Ministro da Educação que
criticava o oferecimento de curso idêntico por universidade pública localizada
em outra unidade da federação. Veja-se:
Chama a atenção o fato de que o objetivo
do curso não é compartilhar com a comunidade local o conhecimento produzido
pela UEMS, mas antes fazer parte de um movimento político para que determinada
narrativa político-ideológica prevaleça no cenário nacional, no caso, a
compreensão dos fatos a partir do ponto de vista de um partido político
específico, que sentiu-se prejudicado pela atuação do Poder Judiciário, do Ministério
Público e da Polícia Federal.
Veja-se o que consta na fundamentação
teórica, no item 1.6.2 do projeto, à f. 160:
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Tais fatos indicam violação ao princípio
constitucional da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, previsto
no art. 207 da Constituição Federal, pois aparentemente o curso compartilhará
com a sociedade o ponto de vista do Partido dos Trabalhadores e não o resultado
das atividades de ensino e da pesquisa desenvolvidos pela UEMS sobre o tema em
estudo.
Além disso, como bem apontado pelo Parquet Estadual, os elementos
colacionados aos autos indicam a inobservância do pluralismo de ideias exigido
pelo art. 206, inc. III, da Constituição Federal.
De fato, embora o conteúdo programático
do curso apresente sólido embasamento teórico, esse embasamento é claramente
enviesado por uma determinada concepção ideológica, exatamente aquela a que se
filia o Partido dos Trabalhadores.
Não se verifica, ao menos em uma análise
superficial, qualquer diversidade de pontos de vista.
Não há qualquer menção aos inúmeros artigos científicos e publicações
estrangeiras que chegaram à conclusão de que o processo de impedimento da
ex-presidente Dilma Roussef foi legítimo, dentre os quais menciono, apenas para
exemplificar, a posição externada pela revista britânica The Economist1 e o artigo do professor
universitário Rogério Schmitt2, ligado ao PSB, que sustenta que
nenhuma das três agências internacionais que mensuram regularmente a qualidade
do processo político no mundo, a britânica Economist
Intelligence Unit (ranking Democracy Index),
a americana Freedom House (relatório Freedom in
the World) e a
alemã Transparency International (ranking
Corruption Perceptions Index),
identificaram qualquer deterioração da democracia brasileira no ano de 2016.
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Obviamente, não cabe ao Poder Judiciário
interditar o debate, proibir que se apresente em uma instituição pública as
teorias que sustentam que ocorreu um golpe de Estado no Brasil em 2016 ou
exigir que prevaleça este ou aquele ponto de
vista.
Também não é o caso de impor a proibição
de críticas à atuação do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Polícia
Federal, do Poder Legislativo e da imprensa ou de impedir a divulgação da
narrativa de que essas instituições se uniram para depor uma mandatária
legitimamente eleita.
Aliás, é salutar para a democracia que
qualquer cidadão possa criticar as autoridades e as instituições do país,
podendo expressar livremente suas opiniões, sem o receio de sofrer punições
pela escolha de determinada convicção filosófica, ideológica ou religiosa.
Não obstante, quando se utiliza a
estrutura de uma universidade pública, com mobilização de agentes públicos, a
Constituição Federal exige, não apenas pede ou sugere, o respeito ao pluralismo
ideológico.
Exatamente por isso, é dever do Poder
Judiciário assegurar a estrita observância dos princípios erigidos pela
Constituição Federal que regem o ensino superior, razão pela qual, no caso
concreto, entendo razoável exigir a inclusão, no conteúdo programático do
curso, de textos e autores que defendam o ponto de vista de que o processo de
impedimento da ex- Presidente da República Dilma Roussef foi legítimo.
Por fim, no que concerne à necessidade de
implementação urgente dessas medidas, entendo que o risco ao resultado útil do
processo é patente, como bem apontado pelo Ministério Público, porquanto a
demora inerente ao regular andamento do processo poderia acarretar o
exaurimento do curso questionado pelo autor, resultando na inutilidade de
eventual tutela jurisdicional que reconhecesse a nulidade do ato administrativo.
Mod. 990003002 - Endereço: Av. Juca Pinhé,
270, Jardim Santa Mônica - CEP 79500-000, Fone: (67) 3668-1812, Paranaíba-MS -
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Poder Judiciário
Estado de Mato Grosso do Sul
Paranaíba
2ª Vara Cível
Ante o exposto, hei por bem acolher o
parecer do Ministério Público e DEFERIR
PARCIALMENTE A LIMINAR pleiteada pelo autor, para o fim de determinar a suspensão do curso "Golpe de
Estado de 2016, conjunturas sociais, políticas, jurídicas e o futuro da democracia
no Brasil" até que a aprovação, por este juízo, das seguintes alterações
em seu conteúdo programático ou a demonstração de que já estão contempladas no
projeto original:
1
- inclusão de conteúdo produzido
no âmbito de projetos de pesquisa científica realizados pela UEMS sobre o
processo de impedimento da ex-Presidente
da República Dilma Roussef, como forma de garantir a indissociabilidade entre
ensino, pesquisa e extensão (art. 207, caput, CF);
2
- inclusão de textos e autores que
exponham o ponto de vista de que o processo de impedimento ex-Presidente da
República Dilma Roussef foi legítimo, como forma de assegurar o pluralismo de
ideias (art. 206, inc. III, CF).
Cite-se o terceiro Alessandro Martins
Prado para, querendo, manifestar-se no prazo de 20 (vinte) dias, conforme
requerido no item "c" de f. 31.
Intimem-se.
Cite-se. Cumpra-se.
Paranaíba, 17 de
maio de 2018.
Plácido
de Souza Neto
Juiz de Direito
Assinado digitalmente
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III) Veja a seguir link de notícias a respeito da decisão que liberou o curso: