"O torturador não é um ideólogo, não comete crime de opinião, não comete crime político, portanto. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado" (Ayres Brito)

terça-feira, 27 de junho de 2017

Documentário "À MARGEM DO CORPO"

Iremos trabalhar com uma Resenha escrita, na época pela doutoranda pela Universidade Federal do Rio Grade do Sul Fanny Longa Romero que realiza uma análise muito rica do documentário À Margem do Corpo de Débora Diniz, o que, no nosso caso, iremos unir ainda, com o estudo das principais escolas antropológicas. 
DINIZ, Debora. À margem do corpo. Documentário. ABA/Fundação Ford, 2006.
DVD, 43 min, cor.
Fanny Longa Romero*
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – Brasil
O documentário À Margem do Corpo, objeto desta resenha, representa o resultado de uma reconstrução de cunho antropológico a respeito de intensos contatos humanos que giram em torno da experiência de vida e morte [ou dupla morte?] de uma mulher chamada Deuseli Vanines: (+/-) negra, (+/-) estuprada, (+/-) feia, (+/-) vítima ou (+/-) prostituta, entre outros tantos atributos (na moral do que é pensado como bem ou como mal), adjudicados a essa mulher no âmbito de incertezas, ambiguidades, adequações e contradições que permeiam os fatos narrados das pessoas entrevistadas pela autora Debora Diniz.
Interessada em conhecer a história de Deuseli sob diversas narrativas, a autora do filme parte de dois processos judiciais que marcam a vida dessa mulher. Em um primeiro momento, vítima de estupro e, em um segundo momento, assassina da sua filha de 11 meses, gerada nesse primeiro ato violento. O documentário, produzido em 2005, com apoio da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e da Fundação Ford, foi filmado nas cidades de Alexânia, Anápolis e Goiânia durante 11 meses, tentando mapear a trajetória de vida de Deuseli, a partir de diferentes relatos de pessoas que direta ou indiretamente conheceram essa mulher, inclusive seu possível estuprador.
A história passa-se em Goiás entre 1996 e 1998, num pequeno povoado do interior desse estado. Fala-se de uma mulher de 19 anos, Deuseli (na atualidade morta), de pais desconhecidos, aparentemente criada por um padrasto abusivo e com uma história de vida presa a inconstâncias provocadas pela pobreza, os maus-tratos e a necessidade de sobrevivência. Nas narrativas dos entrevistados, traçam-se diferentes percepções sobre ela que englobam desde valorações positivas a percepções negativas de acordo com os juízos e as construções culturais operacionalizadas nos discursos.
 Dessa forma, Deuseli ora é apresentada como uma “pretinha não muito bonita, mas afetuosa”, ora como “uma mulher bem, bem morena, preta não tão feia”; ora como uma prostituta, ora como uma mulher possuída por forças espirituais desconhecidas ou malignas; ora como uma mãe desnaturada, ora como uma vítima produto da sociedade na qual está inserida (no total foram três gestações, sendo que na sua última gravidez, Deuseli não pariu seu terceiro filho ou filha). Ela, talvez, quis conduzi-lo(a), através de seu corpo, junto com ela, em direção à morte.
Nesse sentido, o documentário chama atenção a respeito do caráter perturbador do contato direto, íntimo e intersubjetivo da experiência vivida entre indivíduos em relação com as questões simbólicas que permeiam a vida social dos mesmos, numa época e num espaço determinado. Tais contatos dificilmente podem “deixar de afetar a sensibilidade das pessoas que os realizam” por serem, num amplo sentido, permeados por ações simbólicas (Geertz, 2001, p. 31).
 Esta resenha foi pensada, principalmente, no contexto de duas obras, Geertz (1989, 2001) e Sahlins (1979, 1990). De fato, nossa análise se desenvolve em termos de uma experiência interpretativa de segunda ou terceira mão; enfim, uma ficção de sentido, um ato de imaginação antropológica orientado por ações simbólicas. Neste trabalho, alguns aspectos da história sobre Deuseli são, brevemente, recontados em pequenos segmentos localizados entre colchetes como uma maneira de dar inteligibilidade à estrutura textual daquilo pensarmos realizar parcialmente, isto é, “penetrar no próprio corpo do objeto”, e, por outra parte, nos esforçamos em fazer, compreender o conteúdo, (Sahlins, 1979). Nisso, “eis no que consiste a pesquisa etnográfica como experiência pessoal” (Geertz, 1989, p. 10).
 Quanto à história em si mesma, ou melhor, o que fez Deuseli para ser o locus central da história? Nesse caso, pode conceber-se, ao mesmo tempo, como veículo e sujeito da ação e, mais extensamente, como objeto e sujeito de contemplação, interrogação e/ou interpelação. Em última instância, os diversos cenários que permeiam a história e dão sentido à mesma, estes são: o jurídico, o discurso médico legalista, o religioso (católico), a sociedade civil, assim como as relações de patronagem, amizade, vizinhança e de parentesco são, de forma geral, esquemas conceituais entrelaçados que, nos seus termos, dão inteligibilidade a um evento, isto é, uma noção relacional construída no reconhecimento simultâneo de uma contingência histórica ou de uma ação individual e os mapas decorrentes de uma ordem cultural determinada.
As angústias de Deuseli são interpretadas, como muitos narradores pensam, na sua ação previamente intencional de agredir a si mesma cortando seus cabelos com uma faca, se mordendo ou montando um cenário permeado por elementos simbólicos em que seu próprio self misturava-se com alimentos (o feijão derramado na cozinha formando parte do cenário onde ocorreu o estupro), fluídos humanos (manchas brancas secadas no seu corpo; seria sêmen?) e sua própria memória individual (lembranças de agressões abusivas quando criança) classificaram seu corpo e, com seu corpo, um self fazendo-o corresponder com as representações coletivas geradas pela ordem cultural.
O que tais reflexões nos ajudam a entender é que as narrativas dão conta de um arsenal de tramas, negociações, percepções encontradas, interrogações sem respostas definitivas, apreensões de uma realidade em um momento determinado e, sobretudo, reinterpretações que, à luz do trabalho de campo in loco de Diniz, deram novos sentidos a acontecimentos passados. De fato, tudo se passa como se o passado estivesse metaforizado pelo próprio presente que, intencionalmente ou não, quer revesti-lo de uma nova significação e mantê-lo, de certa forma, vivo.
No entanto, em muitos casos, percebemos nas narrativas a procura de verdades caseiras (Geertz, 2001), ou a imposição de uma moral por cima da interpretação cultural. Dessa forma, certas vozes, vindas da ordem religiosa católica, revelam não somente um elevado dogmatismo, refém de uma inextricável violência simbólica perante a vida de Deuseli, mas também uma irracional intervenção, no sentido mais literal do termo, no corpo de Deuseli; corpo este concebido por essa personagem como “um meio de comunicação com o mundo” (Merleau-Ponty, 1971) ou, em termos ainda mais extensos, corpo “sempre presente” entendido pela sua possuidora como um meio de existência simbólica que permitia dar-lhe inteligibilidade à apreensão da sua experiência vivida traduzida nas ações que culminam com a decisão do fim da sua vida e do seu corpo como interlocutor das suas sensibilidades mais angustiantes.
Uma das vozes do texto etnográfico construído por Diniz chega a objetar frente à iminência da fatal (não sei se chamá-la dessa forma seja o mais apropriado) sorte de Deuseli, a necessidade de se fazer um batismo na última criança gerada e morta no corpo dessa mulher. Nesta época, em que discussões como os direitos reprodutivos, os direitos sexuais, a legalização do aborto e o papel da laicidade do Estado brasileiro em particular, estão na arena de um debate ético, político e humanístico, mas também local e global, torna-se conflitante lidar com a ideia de cultura como um epifenômeno. De fato, a eficácia da noção de cultura como uma ordem de significação não pode ser “suspensa”, principalmente quando essas questões levantam-se cada vez com mais força no mundo contemporâneo.
O problema aqui é explodir o conceito de história pela experiência antropológica da cultura? (Sahlins, 1990) ou, como diria Geertz (2001), pelos usos que fazemos da diversidade? A essas alturas, perguntarmo-nos o que isso significa? Quais são os limites da interpretação antropológica ou, melhor, da imaginação antropológica, quando nos situamos discursivamente na composição da descrição densa dos fatos culturais? De que lugar pode-se partir para abordar as tensões criadas no devir da nossa própria existência cultural? Enfim, como dar inteligibilidade às novas estranhezas, inconsistências e contradições geradas na diversidade das ações humanas. Nessas sensibilidades que inquietam, seria possível conceber o documentário de Diniz como “uma estrutura dramática com propriedades de transformação ritual”? (Sahlins 1990, p. 142).
Nesse sentido, a construção de Deuseli poderia interpretar-se dentro de uma análise comprometida com “uma visão de afirmativa etnográfica” e, portanto, tal como nos lembra Geertz (1989, p. 20) “essencialmente contestável”.
Referências GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.
GEERTZ, Clifford. Nova luz sobre a antropologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Lisboa: Martins Fontes, 1971
SAHLINS, Marshall. Cultura e razão prática. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1979.
SAHLINS, Marshall. Ilhas de História. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990

terça-feira, 20 de junho de 2017

O HOMEM NO CAMINHO DA DOMINAÇÃO
I) Introdução
O homem no caminho da dominação da Natureza e das demais espécies animais do planeta passa por sua evolução do Hominídeo para o Homo sapiens e essa transformação evolutiva envolve com principal fator impulsionador a causador o Trabalho. (ROCHA, 2015)
- TRABALHO: foi pelo trabalho, dessa forma, que os hominídeos, ancestrais dos humanos, se transformaram ao longo de milhões de anos e puderam produzir a humanidade tal como a conhecemos em nossos dias. (ROCHA, 2015)
OBS. HOMINÍDEO:
- adjetivo relativo ou pertencente aos hominídeos.
- nome masculino: a) espécie dos hominídeos; b) o homem em sua fase de lenta evolução física e intelectual, desde o estágio primitivo até o estágio atual.


II) Das tarefas evolutivas que levaram ao Homo Sapiens
1) A liberação das mãos: a primeira tarefa evolutiva humana foi a liberação das mãos, que consistiu em livrar os membros superiores e as mãos, provavelmente, de suas funções animalescas de auxílio à locomoção, tanto no chão como pelas árvores. Livres, as mãos, desenvolveram-se para proporcionar firmeza e habilidade para outras coisas além da locomoção. Na medida em que a aptidão para andar de forma ereta se desenvolveu, mais e mais as mãos puderam especializar-se em outros trabalhos, como a manipulação planejada de objetos que pudessem ser úteis para atividades posteriores. O esforço para desenvolver habilidades de manipulação das mãos provocou desenvolvimento de áreas do cérebro que nossos ancestrais hominídeos não tiveram e ou não tem por completo, como os chimpanzés. (ROCHA, 2015).
2) A produção da linguagem: com relação a evolução, a linguagem exige para o homem dois grandes obstáculos, de um lado, um aparelho vocal apropriado, de outro lado, a produção abstrata de símbolos. O homem não é o único animal que se comunica com os de sua espécie, mas é o único que faz através de um conjunto de signos elaborados abstratamente na ânsia de traduzir o meio que o rodeia, a natureza e a relação com seus semelhantes. E é o único que ente a necessidade de registrar as experiências de sua vida, o que entendemos por Cultura. Em todas essas situações, e para que elas sejam possíveis, é necessário trabalho e desenvolvimento cerebral. A Cultura é, como se viu, um conjunto de valores significativos introduzidos na coletividade e a partir da necessidade humana de interpretar a sua relação com a natureza e com os outros homens. (ROCHA, 2015)
OBS. Para que o cérebro pudesse se desenvolver e possibilitasse a manifestação de todas essas habilidades e capacidades, foi necessário ser nutrido de alimentos e certos nutrientes em quantidades e valores adequados. Dessa forma, para a eclosão da humanidade, milhões de anos atrás, a par ou não da escassez de grãos, vegetais e frutos coletados, o desenvolvimento dos hominídeos foi através da dieta carnívora. (ROCHA, 2015)
OBSII. A introdução da carne na dieta humana não surpreende a não ser pelo fato do surgimento do canibalismo que é documentado e constatado em vários momentos históricos da humanidade como prática cultural de certos povos primevos que se prolongou até o século XIX na Nova Guiné pelos “Fore” que, só abandonaram a prática na década de 1960, não por ter se tornado ilegal, mas por ter desencadeado uma doença relacionada com o endocanibalismo (canibalismo entre os indivíduos da mesma tribo) que provocava uma alteração no DNA que levava a morte dos membros da tribo. (ROCHA, 2015)
3) O desenvolvimento de práticas antropofágicas
 - Antropofagia: como já vimos em aulas anteriores, é a prática de se comer carne humana ou partes do corpo do inimigo ou do guerreiro derrotado, acreditando, por vezes, na transferência de seus poderes para as pessoas que se alimentam com sua carne. (ROCHA, 2015)
O desenvolvimento do cérebro humano e a possibilidade de desenvolver uma cultura como Homo erectus é, nesse sentido, considerada a terceira tarefa humana em que nossos ancestrais tiveram de ser bem sucedidos. Dessa forma, as práticas antropofágicas encontradas amiúde entre as sociedades primitivas em vários continentes não são apenas manifestações culturais de caráter místico, mas práticas inventivas que proveem os homens de nutrientes necessários ao seu desenvolvimento e sobrevivência. (ROCHA, 2015)
4) Dominação da natureza
A dominação da natureza está relacionada, como é óbvio, ao trabalho humano, que começa pela elaboração de simples instrumentos e é considerada a quarta tarefa do desenvolvimento humano.
Os primeiros instrumentos fabricados pelo homem estão ligados à caça e à pesca e a partir daí não parou mais de fabricar. Diferentemente dos demais animais e seres vivos, o homem não apenas se serve dos meios naturais colocados à sua disposição, mas pode, em vez de se adaptar a natureza, adaptá-la a ele. (ROCHA, 2015)
À caça e à pesca veio se juntar à agricultura, e mais tarde a fiação e tecelagem, a elaboração de metais, a olaria e a navegação. Ao lado do comércio e dos ofícios apareceram, finalmente, as artes e as ciências; das tribos saíram as nações e os Estados. Apareceram o Direito e a Política, e com eles o reflexo fantástico das coisas no cérebro do homem: a religião. Lentamente o homem cria a civilização.
OBSI. A religião, no sentido moderno de seitas e Igrejas, JAMAIS, foi concebida como necessária pelos povos indígenas; o místico e a religiosidade das sociedades primárias devem-se à natural incompreensão das forças da natureza e das motivações da existência humana e sua relação fantástica com essas forças naturais. (ROCHA, 2015)
IMPORTANTE: podemos deduzir que o conhecimento potencializa enormemente a dominação e a exploração da natureza pelo homem e do homem pelo próprio homem: quando conhece não respeita a natureza, domina-a; quando conhece não doa mais, negocia, troca, vende; quando conhece passa da exploração e dominação da natureza para a exploração do seu semelhante; do natural ao industrial, do mito à religião, da tolerância ao interesse; da regra ao poder, da repartição à propriedade e desta à propriedade privada. (ROCHA, 2015)
OBSII. Nas sociedade primitivas desenvolveram-se, para evitar isso, uma série de mecanismos socioculturais, entre eles a universalidade da Proibição do Incesto; em qualquer forma em que ela se apresente, é a preventiva criatividade cultural humana de criar a necessária Reciprocidade. (ROCHA, 2015). Neste mesmo sentido, para Lévi-Strauss a proibição do incesto é universalmente imposta a fim de estabelecer a "troca de mulheres entre homens" - condição indispensável à instituição do matrimônio, da família, do parentesco e da própria vida social (LÉVI-STRAUSS, 1976).








sábado, 17 de junho de 2017

Apresentação do texto da Convenção sobre tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes de 1984


Trata-se de apresentação do Texto intitulado Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes de 1984 de autoria de Daniela Ribeiro Ikawa, texto da obra intitulada DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS: INSTRUMENTOS BÁSICOS, coordenada por Guilherme Assis de Almeida e Cláudia Perrone Moisés. Editora Atlas.