"O torturador não é um ideólogo, não comete crime de opinião, não comete crime político, portanto. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado" (Ayres Brito)

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

ANTROPOLOGIA E PODER: DESDOBRAMENTOS


ANTROPOLOGIA E PODER: DESDOBRAMENTOS

Até este ponto de nosso curso, pode-se dizer que tratamos as sociedades primárias como grupos humanos sem poder e sem Estado. Não são necessariamente sociedades sem práticas políticas. A política é um conjunto de atividades humanas planejadas e integradas culturalmente cujo objetivo é a regulação do poder. Obviamente isto pode acontecer sem a existência de um terceiro e exteriormente à comunidade, ou sem Estado. E pode também acontecer que no âmbito da política, ou entre as atividades sociais do grupo que visam à sua sobrevivência material entre atividades sociais do grupo que visam à sua sobrevivência material e espiritual e que, obrigatoriamente envolvem a todos, essas atividades estejam propositadamente diluídas de formas a impossibilitar o surgimento de um “governante” que acumule poder. Este é o caso das sociedades primárias. Entre elas, a “práxis” política é de tal forma que impede o exercício do poder de modo concentrado em UM-Único. Logo, impede também o surgimento do Estado. (SARACUSA ROCHA, 2015, p. 95).
Por sua vez, no Estado Moderno, nas sociedades complexas, devemos reconhecer que essa separação de autoridade e poder parte de nossas premissas filosóficas tradicionais, segundo as quais sempre nos parece que poder é Violência institucionalizada e consentida e que a violência do poder sempre é necessária para o convívio social. Por esse motivo não estranhamos a violência do Estado e achamos natural que o fazer político seja impregnado de estratégias não éticas e violentas. Se separarmos o poder da violência, quer dizer, se trabalharmos tais categorias como diferentes e mesmo opositoras, então fica mais claro que o problema não é o poder em si mesmo, mas as condições e os princípios em que se baseia seu exercício.
Nas sociedades primárias fazem-se política com obstinação em controlar o poder, mas não podem fugir da autoridade e coercibilidade enquanto grupo humano. Autoridade e poder se confundem muitas vezes e parecem mais identificados quanto mais a sociedade adquire complexidade e precisa fazer frente aos entreves da natureza e da convivência humana. Nas sociedades mais simples a noção de poder é quase nula; nas de alguma complexidade a noção de poder começa a fazer sentido maior; entre nós, as sociedades modernas industriais, o poder já é sinônimo de violência. (SARACUSA ROCHA, 2015, p. 100).


O ESTADO DE EXCEÇÃO




- PODER E VIOLÊNCIA EM HANNAH ARENDT



PODER E VIOLÊNCIA EM HANNAH ARENDT
O pensamento de Hannah Arendt (1906/1975) é fundamental para entendermos a questão que envolve a nossa filosofia antropológica do direito. Para Arendt o poder está alicerçado em dois conceitos concêntricos:
- a Separação entre Poder e Violência
- a Ocupação do espaço público.
Para Arendt Autoridade e Poder se complementam e essa subordinação do poder à autoridade se opõem ao autoritarismo e a violência. É exatamente da ocupação do espaço público de forma pró-ativa que os homens retiram a essência da legitimidade da autoridade que designa o poder como forma política do existir humano.
De forma contrária, uma participação no espaço público reativa, omissiva, corresponde um vácuo de poder, ao mesmo tempo a negação da própria “condição humana” e a condição profícua para o totalitarismo, forma extrema de ilegalidade, arbítrio, truculência e “banalização do mal”.
- PARTICIPAÇÃO – autoridade, legitimidade, poder, democracia (liberdade coletiva possível).
- OMISSÃO – autoritarismo, legalidade residual, violência, totalitarismo (fim do pensamento).
A grande indagação do pensamento arendtiano pode ser resumido na questão: “O que leva o homem, ser racional, a construir a existência humana como supérflua e a perpetrar o terror como forma banal do mal?
O Século XX provou a verdadeira face oculta do homem: para além do trabalho, do econômico, do religioso e do político, quando a omissão e apatia pela coisa pública e pela coletividade se instalam socialmente, os homens estão prontos para a total perversão e bestialidade contra a própria espécie, e de nada valem a razão, a ciência, a tecnologia, a diplomacia, bastando para isso que certas condições sociopolíticas se apresentem.
É exatamente nesses momentos, quando a omissão e apatia imperam, que todo o engenho humano se coloca a favor da destruição. Na base desses projetos “satânicos” está o simples fato do esvaziamento do pensar; não importa a relação com as ideologias e as grandes narrativas políticas de Esquerda ou de Direita. Nesses períodos a soberania é realmente o poder no meio do caos como estado de exceção (Teologia política de Carl Schimitt).
Dessa forma o fracasso da atividade filosófica, do pensamento singular e subjetivo do homem moderno, é o fracasso da razão que objetivou tudo e todos, inclusive a filosofia e os intelectuais e cientistas. SEM O OUTRO EU, SEM O PENSAR COMIGO MESMO, SEM A AUTORREFLEXÃO, TUDO SE REDUZ À RAZÃO INSTRUMENTALISTA NO CICLO DE PRODUÇÃO-CONSUMO, TUDO SE EXTINGUE NO ESTRITO CUMPRIMENTO “ENENCÉFALO” DOS CÓDIGOS, DOS MANUAIS, DOS PROCESSOS, DA MANIPULAÇÃO “TÉCNICO-MEDIÁTICA DA LINGUAGEM, DO REINO DA FORMA SOBRE O CONTEÚDO.
O homem que não pensa consigo mesmo não tem uma moral, não pode ser ético, não pode optar, não ode ser livre, não pode respeitar a si mesmo, e, consequentemente, não pode respeitar o próximo, acatar a opção do semelhante. Neste esvaziamento do ser-para-si, banaliza o outro, reduz a existência humana a quase nada, não distingue o bem do mal, o certo do errado, e deixa-se levar como rebanho ao paroxismo da bestialidade.
Quando Eichmann (general nazista administrador e encarregado da logística dos campos de concentração como Auschwitz) foi julgado em Israel, disse: “Se, no estrito cumprimento de meu dever, tivesse de enviar meu pai e minha mãe para um campo de concentração, não teria dúvidas em fazê-lo”. É essa mentalidade que se mostra totalmente despida de valores em razão de uma instrumentação codificada do direito, um vazio de pensar consigo mesmo, uma preparação pessoal para a convivência coletiva, para a observação da diversidade, para a construção da tolerância.
Dessa forma a questão moral fundamental é construída tendo como base “não a obediência a uma lei externa, mas ao interesse em ser consistente comigo mesmo, o que é possível somente se se instaura o diálogo sem som de mim comigo mesmo.
FONTE: Antropologia Jurídica: geral e do Brasil: para uma filosofia antropológica do Direito. José Manuel de Sacadura Rocha.


NOÇÕES GERAIS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


NOÇÕES GERAIS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1) ORDEM PÚBLICA
Conceito: a ordem pública é reflexo da filosofia sociopolítico-jurídica de toda legislação e que representa a moral básica de uma nação, protegendo as necessidades de um Estado, bem como os interesses essenciais dos sujeitos de direito, constituindo princípio que não pode ser desrespeitado pela aplicação da lei estrangeira.
1.1   Características
a) Relatividade e instabilidade: o que significa dizer que ela emana da “mens populi” (mentalidade do povo) e varia no tempo e no espaço, variando de Estado para outro e se alterando de acordo com a evolução dos fenômenos sociais internos.
Ex.  Até o ano de 2003, o porte de arma era praticamente liberado no Brasil, sendo que, a Lei 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento, dificultou ainda mais o posse de arma que estava previsto na Lei 9437/97, que, em seu artigo 6º praticamente autorizava o porte de arma mediante à autorização a autoridade competente:
Art. 6° O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade competente, ressalvados os casos expressamente previstos na legislação em vigor.
Podemos observar que houve uma mudança da cultura do povo brasileiro que entendeu pelo endurecimento da autorização do porte de armas no Brasil.
Nos dias atuais, um candidato a presidência da república com razoável chances de vencer a eleição tem defendido a revogação do Estatuto do Desarmamento.
b) Contemporaneidade: a ordem pública é sempre atual, possuindo uma qualidade que obriga o aplicador da lei a atentar para o estado da situação na época em que vai julgar a questão, sem considerar a mentalidade prevalente à época da ocorrência do fato/ato jurídico.
Ex. Até 2003, o Código Civil brasileiro trazia em seu texto algumas previsões esdrúxulas tais como a) permissão do marido para a mulher poder trabalhar fora de casa; b) anulação do casamento se na noite de núpcias fosse verificado que a mulher não era virgem, etc.
c) Fator exógeno: trata-se da influência de elementos externos às normas jurídicas pátrias.
Ex. muito atual: A promulgação do Tratado Internacional sobre Direitos Civis e Políticos pelo Brasil em 1996 está provocando enorme controvérsias injustificadas na mídia nacional. O Comitê de Direitos Humanos da ONU recomendou que em razão de referido tratado o candidato Lula deve ter seus direitos eleitorais e de campanha assegurados. No dia 29, os membros do CNDH – Conselho Nacional de Direitos Humanos divulgou nota pública aprovada no dia 27 de agosto de 2018, reconhecendo a legitimidade da resolução do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre o direito do ex-presidente Lula, candidato à Presidência da República, participar das eleições.
- Outro exemplo: podemos citar as discussões a respeito da regulamentação da eutanásia no Brasil.
- Filme Como eu era antes de você - temática sobre a eutanásia:
- Documentário brasileiro Solitário Anônimo:

2. FRAUDE À LEI
Conceito: há fraude à lei no direito internacional privado quando o agente, artificiosamente, altera o fundamento do elemento de conexão para se beneficiar da lei que lhe é mais favorável, em detrimento daquela que seria realmente aplicável.
Art. 6º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado: “Não se aplica como direito estrangeiro o direito de um Estado Parte quando artificiosamente se tenha burlado os princípios fundamentais da lei do outro Estado Parte.
Ex. A Holanda foi o primeiro país do mundo a legalizar o casamento homoafetivo. No Brasil, em 15 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma nova resolução, de autoria do ministro Joaquim Barbosa, que obriga os cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento. Antes disso, alguns casais brasileiros tentavam realizar o seu casamento em países que já tinham aprovado a união homoafetiva e depois tentavam revalidar referida situação jurídica no nosso país.
3. REENVIO
Conceito: é o modo de interpretar a norma do direito internacional privado, mediante a substituição da lei nacional pela estrangeira, desprezando o elemento de conexão apontado pela ordenação nacional, para dar preferência à indicada pelo ordenamento alienígena.
A bem da verdade, vale registrar que se o direito internacional for o escolhido para ter aplicação, resta definir suas extensão; se abrange apenas normas materiais ou também as normas de direito privado estrangeiro, podendo haver três soluções adotadas pelos países:
a)     Países que adotam apenas o direito material;
b)    Países que levam em consideração as normas do direito internacional privado estrangeiro;
c)     Países de posicionamento intermediário;
OBS. O Brasil adota o primeiro posicionamento, ignorando as normas indiretas de direito internacional privado de outros países. Desta forma, o reenvio é expressa e categoricamente proibido no Brasil nos termos do artigo 16 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Art. 16.  Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
- Nos países que adotam o segundo entendimento, várias possibilidades poderão surgir, conforme leciona Beat Walter Rechsteiner (2017):
1ª) O direito internacional privado do país A designa o Direito do país B como aplicável. O direito internacional privado do país B, por seu lado, indica o direito substantivo ou material do país B como o aplicável. Neste caso, inexistem problemas para o juiz do país A na aplicação do Direito. Aplicável é o direito substantivo ou material do país B.
2º) O Direito Internacional Privado do país A designa o Direito do país B como aplicável. O direito internacional Privado do país B, por sua vez, indica o direito substantivo ou material do país A como aplicável. Neste caso, inexistem problemas para o juiz do país A na aplicação do Direito. Aplicável é o direito substantivo ou material do país A.
3º ) O Direito Internacional Privado do país A designa o Direito do país B como aplicável. O Direito Internacional Privado do país B, por seu lado, indica o Direito Internacional Privado do país A como aplicável. Neste caso, surge o problema do reenvio, porque a ordem jurídica designada que é de Direito Internacional Privado do país B, devolve a decisão e indica como aplicável o Direito Internacional Privado do país A, exsurgindo desse fato o que a doutrina denomina de “renvoi” (reenvio de primeiro grau, devolução, retorno). Como se resolve a questão do reenvio de primeiro grau na doutrina e na jurisprudência? A regra geral é a de que o país A aceite o reenvio (devolução, retorno) do país B e aplique a “lex fori”, isto é, a lei substantiva ou material do foro do julgamento.
4º) O Direito internacional Privado do país A designa o Direito do país B como aplicável. O Direito Internacional Privado do país B, por seu turno, indica o Direito Internacional Privado do país C como aplicável (reenvio de segundo grau). A situação torna-se problemática nesses casos, quando também o Direito Internacional Privado do país C não se declara aplicável, indicando ou quarto país. Tais casos são raros na prática. Para resolvê-los, as diversas legislações e doutrinas apontam diversas soluções, não havendo ainda uma jurisprudência a respeito.
4) QUALIFICAÇÃO PRÉVIA
Conceito: qualificar significa adequar um caso concreto a uma especialidade do direito que lhe é pertinente (Exs. Direito de Família, Direito das Coisas, Estatuto Pessoal,  Direito das Obrigações, etc.), classificando a matéria jurídica e definindo questões principais ( Ex. Divórcio, Competência jurisdicional de bens imóveis, Capacidade da pessoa física, Validade do Contrato).
Logo, a qualificação se resume a identificar um fato perante o direito e envolve a determinação da unicidade da situação jurídica em relação ao caso concreto e o estabelecimento da norma de direito internacional privado aplicável.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

I) MAGIA, PODER E DIREITO


I) MAGIA, PODER E DIREITO
- A magia: a magia é, em primeiro lugar, o elo místico do homem primevo com a natureza, uma natureza possuidora de forças – reações – incognoscíveis, diante das quais o homem está em relação de inferioridade. As comunidades primárias, diante da potencialidade superior da natureza, reproduzem em seu “formalismo” da experiência cotidiana o sacrifício sagrado de subserviência a essas potencialidades. Não é a razão da ciência, não é a lógica formal do conhecimento, mas a adoração e a veneração do que se deixa dominar (ROCHA, 2015, p.83).
A Magia nasce, dessa forma, da completa incompreensão do homem pelo poder dos fenômenos naturais da natureza, como os raios, tempestades, noite, dia, estrelas, enchentes, secas etc.
- Rituais mágicos: os rituais mágicos, no início, para o homem primário, se revestem de um caráter coercitivo por parte dos espíritos, e no sentido indicado pelo praticante dos atos mágicos, o feiticeiro, o xamã, o oráculo. (ROCHA, 2015, p.83).
A verdade é que o feiticeiro exerce uma função de poder sobre os demais membros da tribo.
- Surgimento da Religião e do Direito: Quando, mais tarde, esse mesmo sentimento de potencialidade, que a própria razão científica em vão tenta conhecer, exige outros rituais, a religião estabelecerá a aliança entre o conhecimento analítico e a fé, agora, porém, com algum impedimento da arbitrariedade da ação divina, estabelece-se certa juridicidade. (ROCHA, 2015, p.83/84)
Neste sentido, quando o homem inseri a razão científica na busca de tentar compreender “as potencialidades” da natureza, a soma da razão científica, produz novos rituais que transforma magia em religião, com o predomínio da fé, e, agora, de certos limites ao “feiticeiro”, trazidos pela razão, surgindo o embrião da juridicidade, e assim, o Direito.
- Surgimento do binômio Religião e Ciência = Poder:
Estamos diante do surgimento do binômio Religião e Ciência, em uma visão materialista, com em Engels (1820-1895), a religião aparece junto com o direito e de maneira apolítica, portanto, junto com a razão científica, como uma ciência a par das outras. [...] A virtude da visão de Engels é que religião e ciência passam a ser produtos de uma mesma razão, como tal se complementam – metafísico e empirismo, divindade e experiência. Nesse sentido, tanto a ciência como a religião, para o homem não primevo, são produtos de uma mesma reação a conquistar o conhecimento e também, portanto, produto de relações concretas dos homens em seu devir de sobrevivência, que podem atender, e atendem, a forças, não mais da natureza, mas de poder. (ROCHA, 2015)
- Para Comunidades Primárias – Magia como surgimento do Direito Primitivo:
Para as comunidades primárias, a magia é a um tempo a adoração e a integração com o meio natural potencialmente superior, e de imediato, como forma e meio a partir do qual se estabelecem as práticas de sobrevivência material. Assim, pode-se dizer que a magia está na origem do “direito primitivo”, na explicação e determinação regras de conduta e sanções impostas diante da desobediência a essas mesmas regras. Pesquisas antropológicas têm demonstrado, em diversas organizações sociais menos diferenciadas, que a magia exerce um papel comum quando se trata de estabelecer a RECIPROCIDADE, no respeito e devoção do homem com a natureza, e por isso mesmo, a mesma igualdade entre os membros da comunidade, diferentemente do nosso tipo de organização social que se caracteriza pela COMPETITIVIDADE, tanto em relação ao meio ambiente como em relação a nossos semelhantes. Como se disse anteriormente, a dominação da natureza acaba produzindo a dominação do homem. (ROCHA, 2015, p.84)
- Direito e Religião:
A etapa intermediária entre o direito mágico das comunidades primárias e o direito de nossas sociedades com Estado foi, em muitos casos, o direito religioso e divino. Por todas as sociedades do Ocidente e por todas as civilizações antigas do Oriente houve ordenamentos jurídicos com base no divino. Isso levou à especialização de um clero e à preponderância de um segmento social formal por teólogos-juristas, que rapidamente construíram uma estrutura administrativa e burocrata que, ao sabor dos interesses dos grupos dominantes, estabelece os direitos e as sanções sociais a cada época. Assim, o direito e a religião, longe de ser instrumento de igualdade e justiça, passam a ser instrumento de poder efetivamente tomado como dominação social, econômica e política. O fim da magia é, igualmente, o fim de uma sociedade igualitária. O império da religião é o dos deuses voluntariosos usados como serviçais das elites poderosas. Quando o direito laico e posto pelos homens surgir e consolidar-se efetivamente, haverá de provar que a escrita da dominação religiosa no direito deverá desaparecer!(ROCHA, 2015, p.87)

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

FUNDAMENTOS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO



Bibliografia adotada
DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO: teoria e prática.
RECHSTEINER, Beat Walter.
Saraiva.
MANUAL DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
MALHEIROS, Emerson.

- FUNDAMENTOS DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

Conceito: O Direito Internacional Privado é o ramo do Direito interno que normatiza as relações jurídicas com conexão internacional, oferecendo soluções para o concurso de lei no espaço. (GONÇALVES, 2016)

Conceito: O Direito Internacional Privado é a especialidade do direito que regula e promove o estudo de um conjunto de regras que determinam o direito material aplicável às relações jurídicas particulares, sejam elas entre pessoas físicas (exemplo: divórcio) e/ou jurídicas (exemplo: comércio) de direito privado, ou ainda estabelece qual a jurisdição competente, em todos os casos, para dirimir qualquer conflito que tenha conexão internacional. (MALHEIRO, 2015)
- Conflito de Lei no espaço: o conflito de lei no espaço relaciona-se com a efetiva probabilidade de existir o atingimento tautócrono de dois ou mais ordenamentos jurídicos independentes sobre dado acontecimento para solucionar uma questão de direito. (MALHEIRO, 2015).
- Causas do conflito:
a) Diversidade legislativa: cada ordenamento jurídico, isoladamente considerado, com sua autonomia e soberania, confere um tratamento diverso e peculiar a determinados aspectos de natureza social.
b) Existência de uma sociedade transnacional: consiste na existência de relações entre indivíduos que estão conexos a ordenamentos jurídicos discordantes.
- Elementos de conexão: são aquelas normas que indicam qual direito que deve ser aplicado ao caso para resolver o concurso de lei no espaço. Exemplo: lei do domicílio, nacionalidade, a lei do local onde foi constituída a obrigação, lei do foro, etc.
Objeto do direito Internacional privado: a concepção do objeto do Direito Internacional Privado exige a compreensão dos conceitos relacionados com a) Conflito de Leis no espaço; b) Conflito de Jurisdições; c) Nacionalidade; e d) Condição Jurídica do Estrangeiro, de modo que conhecer o objeto do direito internacional privado significa desvendar o assunto sobre o qual versa essa ciência. (MALHEIRO, 2015)
a) Conflito de Leis: o conflito de leis investiga as relações humanas ligadas a dois ou mais ordenamentos jurídicos cujas regras não são concordantes, assim como o direito aplicável a uma ou diversas relações jurídicas de direito privado com conexão internacional. Não há a apresentação de uma solução para a questão jurídica que caracteriza o caso concreto, mas a indicação de qual direito, dentre aqueles que tenham ligação com o litígio sub judice, deverá ser aplicado pelo magistrado. (MALHEIRO, 2015,p.11)
b) Nacionalidade: a nacionalidade, que esquadrilha detalhadamente a caracterização do nacional de cada Estado, as formas originárias e derivadas de atribuição de nacionalidade, a sua perda e reaquisição, assim como os seus conflitos positivos e negativos, os casos de polipatrídia e apatrídia e as restrições aos nacionais por naturalização.
No Brasil: Artigo 12 da CF/1988 Critério ius solis.
c) Condição Jurídica do Estrangeiro: a condição jurídica do estrangeiro busca conhecer os direitos do estrangeiro de entrar e permanecer no país, bem como de domiciliar-se ou residir no território nacional, sem prejuízo de suas prerrogativas no âmbito econômico, político e também social. (MALHEIRO, 2015, p. 10).
d) Conflito de jurisdições: analisa a competência do Poder Judiciário na solução de situações que envolvem pessoas, coisas ou interesses que extravasam o limite de uma soberania, observando o reconhecimento e a execução de sentenças proferidas no estrangeiro. (MALHEIRO, 2015, p. 10).
- NOÇÕES GERAIS SOBRE OS ELEMENTOS DE CONEXÃO
- Conexão: é a ligação ou o contato entre uma situação da vida e a norma que vai regê-la.
Conceito de Elementos de conexão: elementos ou circunstâncias de conexão são normas estabelecidas pelo direito internacional privado que indicam o direito aplicável a uma ou diversas situações jurídicas unidas a mais de um sistema legal.
IMPORTANTE: Os elementos de conexão corporificam-se num elemento essencial para a solução de conflitos de lei no espaço.
OBS. Registra-se assim, que os elementos de conexão são parte integrante da norma indicativa de direito internacional privado que irão tornar possível a definição do direito aplicável, seja nacional ou o estrangeiro.
- ESPÉCIES DE ELEMENTOS DE CONEXÃO:

- Lex damni: a lei aplicada será a do lugar em que se manifestarem as consequências de um ato ilícito, para reger a devida obrigação de indenizar aquele que foi atingido pela conduta delitiva da(s) outra(s) parte(s) numa relação jurídica internacional.
- Lex domicilii: a norma jurídica a ser aplicada é a do domicílio dos envolvidos na relação jurídica que possui um componente essencial de estraneidade, como a capacidade da pessoa física.
É importante salientar que capacidade aqui deve ser compreendido com o sentido de habilitação da pessoa para os atos da vida civil, que é o singular potencial de exercício de direitos, ou de agir de acordo com eles. (art. 7 da LIDB)
- Lex fori: a norma aplicada será a do foro no qual ocorre a demanda judicial entre as partes conflitantes.
- Lex loci actus: a regra aplicada será a do local da realização do ato jurídico para reger sua substância.
- Lex loci celebrationis: a norma jurídica aplicada, no que é pertinente ás formalidades do casamento, será a do local de sua celebração.
- Lex loci contractus: a regra aplicada será a do local em que o contrato foi firmado para reger o seu cumprimento e sua interpretação. Nesse sentido, se o contrato foi firmado no Brasil, a obrigação foi constituída em território nacional, devendo ser aplicada a norma jurídica pátria.
- Lex loci delicti: para orientar a devida obrigação de indenizar o(s) prejudicado(s), no caso da prática de crime, a lei empregada será aquela do lugar em que o ato ilícito foi cometido.
- Lex loci executionis: a lei aplicada será a da jurisdição em que se realiza a aplicação forçada da consequência jurídica que atinge o sujeito passivo pelo não cumprimento da prestação.
- Lex loci solutionis: a norma jurídica aplicada será a do local em que as obrigações devem ser cumpridas.
- Lex monetae: a lei empregada será aquela do Estado cuja moeda a obrigação legal foi expressa.
- Lex patriae: a lei aplicada será a da nacionalidade da pessoa física, pela qual se rege seu estatuto pessoal.
- Lex rei sitae ou Lex situs: a norma aplicada será a do local em que a coisa se encontra. No direito internacional privado brasileiro, o direito adotado no caso de bens móveis e imóveis é regulado pelo local em que se encontra o bem.
- Lex voluntatis: a norma jurídica a ser aplicada deverá ser aquela livre e conscientemente escolhida pelos pactuantes.
- Lex regit actum: a regra aplicada será a do local da realização do ato jurídico para reger suas formalidades.
- Mobila sequuntur personam: para os bens móveis, a lei a ser aplicada é aquela do local em que seu proprietário está domiciliado.
LEI DE INTRODUÇÃO AS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO
Art. 7o  A lei do país em que domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família.
§ 1o  Realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades da celebração.
§ 2o O casamento de estrangeiros poderá celebrar-se perante autoridades diplomáticas ou consulares do país de ambos os nubentes.                         (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 3o  Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal.
§ 4o  O regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal.
§ 5º - O estrangeiro casado, que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.                         (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 1977)
§ 6º  O divórcio realizado no estrangeiro, se um ou ambos os cônjuges forem brasileiros, só será reconhecido no Brasil depois de 1 (um) ano da data da sentença, salvo se houver sido antecedida de separação judicial por igual prazo, caso em que a homologação produzirá efeito imediato, obedecidas as condições estabelecidas para a eficácia das sentenças estrangeiras no país. O Superior Tribunal de Justiça, na forma de seu regimento interno, poderá reexaminar, a requerimento do interessado, decisões já proferidas em pedidos de homologação de sentenças estrangeiras de divórcio de brasileiros, a fim de que passem a produzir todos os efeitos legais.                      (Redação dada pela Lei nº 12.036, de 2009).
§ 7o  Salvo o caso de abandono, o domicílio do chefe da família estende-se ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, e o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
§ 8o  Quando a pessoa não tiver domicílio, considerar-se-á domiciliada no lugar de sua residência ou naquele em que se encontre.
Art. 8o  Para qualificar os bens e regular as relações a eles concernentes, aplicar-se-á a lei do país em que estiverem situados.
§ 1o  Aplicar-se-á a lei do país em que for domiciliado o proprietário, quanto aos bens moveis que ele trouxer ou se destinarem a transporte para outros lugares.
§ 2o  O penhor regula-se pela lei do domicílio que tiver a pessoa, em cuja posse se encontre a coisa apenhada.
Art. 9o  Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituirem.
§ 1o  Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades da lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato.
§ 2o  A obrigação resultante do contrato reputa-se constituida no lugar em que residir o proponente.
Art.  10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.
§ 1º A sucessão de bens de estrangeiros, situados no País, será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, ou de quem os represente, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do de cujus.                         (Redação dada pela Lei nº 9.047, de 1995)
§ 2o  A lei do domicílio do herdeiro ou legatário regula a capacidade para suceder.
Art. 11.  As organizações destinadas a fins de interesse coletivo, como as sociedades e as fundações, obedecem à lei do Estado em que se constituirem.
§ 1o  Não poderão, entretanto ter no Brasil filiais, agências ou estabelecimentos antes de serem os atos constitutivos aprovados pelo Governo brasileiro, ficando sujeitas à lei brasileira.
§ 2o  Os Governos estrangeiros, bem como as organizações de qualquer natureza, que eles tenham constituido, dirijam ou hajam investido de funções públicas, não poderão adquirir no Brasil bens imóveis ou susceptiveis de desapropriação.
§ 3o  Os Governos estrangeiros podem adquirir a propriedade dos prédios necessários à sede dos representantes diplomáticos ou dos agentes consulares.                   (Vide Lei nº 4.331, de 1964)
Art. 12.  É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.
§ 1o  Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil.
§ 2o A autoridade judiciária brasileira cumprirá, concedido o exequatur e segundo a forma estabelecida pele lei brasileira, as diligências deprecadas por autoridade estrangeira competente, observando a lei desta, quanto ao objeto das diligências.
Art.  13.  A prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei que nele vigorar, quanto ao ônus e aos meios de produzir-se, não admitindo os tribunais brasileiros provas que a lei brasileira desconheça.
Art. 14.  Não conhecendo a lei estrangeira, poderá o juiz exigir de quem a invoca prova do texto e da vigência.
Art. 15.  Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reuna os seguintes requisitos:
a) haver sido proferida por juiz competente;
b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado à revelia;
c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;
d) estar traduzida por intérprete autorizado;
e) ter sido homologada pelo Supremo Tribunal Federal.                     (Vide art.105, I, i da Constituição Federal).
Parágrafo único.                         (Revogado pela Lei nº 12.036, de 2009).
Art. 16.  Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
Art. 17.  As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.
Art. 18. Tratando-se de brasileiros, são competentes as autoridades consulares brasileiras para lhes celebrar o casamento e os mais atos de Registro Civil e de tabelionato, inclusive o registro de nascimento e de óbito dos filhos de brasileiro ou brasileira nascido no país da sede do Consulado.                   (Redação dada pela Lei nº 3.238, de 1957)
§ 1º  As autoridades consulares brasileiras também poderão celebrar a separação consensual e o divórcio consensual de brasileiros, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, devendo constar da respectiva escritura pública as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.                   (Incluído pela Lei nº 12.874, de 2013)     Vigência
§ 2o  É indispensável a assistência de advogado, devidamente constituído, que se dará mediante a subscrição de petição, juntamente com ambas as partes, ou com apenas uma delas, caso a outra constitua advogado próprio, não se fazendo necessário que a assinatura do advogado conste da escritura pública.                       (Incluído pela Lei nº 12.874, de 2013)      Vigência
Art. 19. Reputam-se válidos todos os atos indicados no artigo anterior e celebrados pelos cônsules brasileiros na vigência do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, desde que satisfaçam todos os requisitos legais.                    (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)
Parágrafo único. No caso em que a celebração dêsses atos tiver sido recusada pelas autoridades consulares, com fundamento no artigo 18 do mesmo Decreto-lei, ao interessado é facultado renovar o pedido dentro em 90 (noventa) dias contados da data da publicação desta lei.                        (Incluído pela Lei nº 3.238, de 1957)