DA CAPACIDADE DE JULGAR (Questões
de 01 a 04)
“[...] vivemos em um mundo em
que, a toda hora, a todo instante, as pessoas estão julgando as outras, estão
avaliando comportamentos, estão decifrando códigos, estão impondo regras e que
de alguma maneira, como é que nós fazemos o filtro para chegar a essa
capacidade de julgar? Quais são as estratégias, quais são os caminhos em um
mundo tão complexo, tão difícil, que nós chegamos até ali para poder formular e
dizer que aquele momento, aquele julgamento, ele é, o julgamento que considero
apropriado para a minha postura diante deste mundo e consequentemente a minha
responsabilidade diante deste mesmo mundo? (José Alves
de Freitas Neto – Território do Conhecimento – Hannah Arendt)
1) Como visto, no pequeno trecho
da palestra do Professor Freitas Neto, a capacidade de julgar de forma apropriada
não é nada simples. Neste sentido, explique a estratégia ensinada por Hannah
Arendt “De Pensar como Ação” para que se possa cumprir a tarefa de “Julgar” de
forma apropriada? Explique:
RESPOSTA: Arendt ensina que a todo momento estamos
julgando as pessoas, no entanto, este julgamento só pode ser considerado
correto, apropriado, se for um julgamento em que o julgador tomou o devido
cuidado de refletir de forma apropriada quanto a ação que está julgando. O “pensar
como ação” nada mais é que a reflexão profunda, contextualizada e não fundamentada
em mera opinião. Arendt ensina que está faltando nas pessoas exatamente esse
trabalho de refletir, pensar, analisar o ato ou as ações da pessoa que está
sendo julgada para que ocorra um julgamento justo, razoável e correto. Quando
você adota a reflexão, o pensamento como uma ação costumeira, suas opiniões,
seus julgamentos, serão fundamentados e fugirão do senso comum. Será mais
difícil para o julgador, ou o cidadão que a todo momento está julgando as ações
de terceiros cometer erro se adotar a reflexão, o pensamento como ação antes de
realizar o julgamento.
“[...] Hannah Arendt tem muito a
nos dizer sobre o Século XXI [...] ela recupera o papel da filosofia, ela dá a
filosofia e especificamente à política uma dignidade que havia sido deixada de
lado se pensarmos em termos de outras filosofias e outras interpretações,
porque Hannah Arendt vai trazer novos significados para à política no sentido
de percebermos o que é o espaço da vida pública, no sentido de que as minhas
percepções, as minhas visões, as minhas elaborações, quando tornadas públicas,
o meu comportamento tornado público, ele também é político. Político em qual
sentido? No sentido que tem a ver com as relações e com os vínculos com os
outros seres que vivem e convivem sobre o mesmo espaço, na mesma época e ao
mesmo tempo que eu estou vivendo. Hannah Arendt é uma autora necessária, por
isso que ela está aqui [...] nós estamos em uma sociedade, vivemos em um tempo
de que os elementos totalitários, denunciados por Hannah Arendt, por exemplo, eles
continuam sobrevivendo em regimes e em situações não totalitárias. Só isso já
nos trás uma espécie de advertência, porque afinal de contas nós temos uma
ameaça poderosa ao nosso redor, nós estamos sendo constrangidos todas as vezes
que nos esquecemos ou todas as vezes que nós adotamos ou aceitamos os
princípios da naturalização das situações: é assim!, as coisas não podem ser de
outra forma! Isso tudo é uma maneira de você querer se esquivar de
responsabilidades, querer se esquivar de compromissos, querer se esquivar da
tarefa de pensar que gera a ação [...]” (José Alves de Freitas Neto –
Território do Conhecimento – Hannah Arendt).
2) Explique qual a relação dessa
lição de Hannah Arendt no trecho supracitado com a “banalização do mal” em uma
sociedade:
RESPOSTA: Arendt
deixa muito claro que todas as nossas ações, nossas manifestações, a expressão
de nossa opinião, etc, tudo isso são ações políticas, mesmo que, talvez, o
cidadão não tenha compreendido ou tenha percepção que o fato de viver em
sociedade e relacionar-se com outras pessoas, manifestar sua opinião, realizar
uma crítica, deixar de criticar, se omitir diante de um fato, tudo isso são
ações políticas. Arendt analisa mais profundamente as ações políticas e faz um
alerta muito importante, ainda que foi realizado em sua época, quando publicou
suas obras, referido alerta é mais atual do que nunca. O alerta se refere o
fato do cidadão se omitir diante de fatos importantes da sociedade. Se omitir
diante de injustiças praticadas, diante do escuso, do errado, “se esquivar de
compromissos” e principalmente, desejar se “esquivar da tarefa de pensar que
gera a ação”, quando nos omitimos diante dos fatos cotidianos, quando,
principalmente, nos recusamos a pensar, realizar a devida reflexão crítica do
mundo ao nosso redor, estamos colaborando muito fortemente para a banalização
do mal. Um exemplo disso é o fato de convivermos razoavelmente bem, sem,
talvez, sem querer generalizar, remorso algum para com a imensa maioria do povo
brasileiro que passa fome, necessidades materiais, não possui o devido acesso
aos direitos e garantias previsto pelo nosso Estado.
3) Podemos verificar na aula
sobre Hannah Arendt ministrada por Freitas Neto que Adolf Eichmann, em seu
julgamento, se dizia inocente em razão de nunca haver, diretamente, matado um
cidadão judeu. No entanto, sabemos que o mesmo foi condenado em suas acusações
a despeito de seu argumento de defesa. O argumento de Eichmann era de que
apenas havia cumprido ordens, que teria sido um funcionário exemplar. Explique
a conclusão de Arendt ao verificar os argumentos de um mero burocrata que
acreditava ser inocente em razão de ter apenas cumprido ordens:
RESPOSTA: Complementando
a questão anterior, Adolfo Eichmann foi um agente do Estado Nazista Alemão que
cumpriu de forma exemplar todas as ordens que recebeu, sem refletir, sem
pensar, sem analisar as consequências do cumprimento de referidas ordens. Ao
agir sem pensar, nem mesmo remorso pela consequência de seus atos ele era capaz
de sentir. O perigo da banalização do mal ocorre exatamente quando pessoas
passam a agir sem pensar, sem refletir a respeito das consequências de seus
atos. Pessoas que se omitem diante da injustiça praticada às claras, sem
realizar a devida reflexão e crítica a respeito do ato injusto praticado.
4) “[...] homens e mulheres são
sempre construtores de sua história, e, nesse sentido também, nós vivemos um
momento de lacunas e o pensamento emerge exatamente de incidentes das
experiências que nós temos e por isso que a gente precisa sempre estar atentos
porque os marcos das experiências são os únicos marcos que nós temos para
buscar alguma orientação [...] temos os totalitarismos, temos a banalidade
cotidiana, a qual nós também participamos, e além de tudo, ainda existe a luta
por nós mesmos e com a nossa recusa ao pensamento. A conformação diante deste
mundo complexo e que nos brutaliza, não nas experiências mais sombrias, não nas
questões mais gritantes, mas nas mazelas cotidianas e quase imperceptíveis. É
por isso que a obra de Hannah Arendt é inquietante e um convite para o Século
XXI. Pensar como uma ação é uma forma de reagirmos a tudo isso, contra todas as
tiranias, contra todos os despotismos, externos e internos e para isso que é
necessário continuamente dizer BASTA!” (José Alves de Freitas Neto – Território
do Conhecimento – Hannah Arendt).
a) Explique a conclusão do
pensamento de Hannah Arendt citado neste trecho:; b) Cite um exemplo de
“banalidade do mal” cotidiano de nossa sociedade brasileira que nós, cidadão
comuns, nos recusamos a reconhecer e a dizer BASTA!:
RESPOSTA: A conclusão de Hannah Arendt e que é
assustadoramente atual é exatamente quanto ao fato de que a sociedade em geral
perdeu a condição de refletir a respeito da condição em que se encontra o próximo.
A sociedade encontra-se brutalizada, sem condição de se sensibilizar com
terceiros que estão passando por dificuldades ou injustiças. Neste sentido,
podemos citar vários exemplos: quando deixamos de refletir e nos
sensibilizarmos com crianças que morrem de fome ainda no século XXI; quando nos
omitimos diante da miséria e da exclusão de significativa parte de brasileiros
que se encontram em situação de grave exclusão social, quando nos omitimos
diante de decisões políticas de nossos representantes que sabemos que serão
muito prejudiciais para o país e para nós mesmos, quando nos omitimos diante
dos dados científicos apresentados a respeito do genocídio indígena praticado
em nosso Estado do MS, ou o genocídio da juventude negra praticado em nosso
país. Essa falta de reflexão quanto a esses graves problemas cotidianos e nossas
omissão nos aproxima cada vez mais da banalização do mal no Brasil.
5) “Por todas as sociedades do
Ocidente e por todas as civilizações antigas do Oriente houve ordenamentos
jurídicos com base no divino” (José Manuel de Sacadura Rocha, 2015). Explique a
importância da Religião no surgimento do Direito:
RESPOSTA: O Direito possui sua origem primitiva na Magia,
ou seja, na total incompreensão do homem com relação aos fenômenos da natureza
como por exemplo as secas que devastavam plantações, furacões, tempestades,
enchentes, etc. Dessa incompreensão destes fenômenos surgem os rituais mágicos
realizados pelo Cacique ou o Feiticeiro. Quando, o homem passa a tentar analisar
esses fenômenos com a utilização da razão, é neste exato momento que irá surgir
a religião e um Direito mais parecido com o nosso atual ordenamento jurídico.
Dessa forma, a origem do Direito, em todas as civilizações, possui uma forte ligação
com o Divino.
6) Explique se o Direito e a
Religião, em seu surgimento e na atualidade são sinônimos de Igualdade e
Justiça:
RESPOSTA: Não, infelizmente não! O que se observa
cientificamente e em uma análise antropológica jurídica do surgimento do
Direito e da Religião é que foram criações humanas que tinham o fim de exercer
domínio e poder sobre os demais membros da sociedade. Foi assim nas sociedades
primárias ou até mesmo nas com algum tipo de complexidade quando a Religião era
utilizada para legitimar o poder de Deuses do Egito antigo, da Grécia, legitimar
o poder do Faraó, do Rei. E nos dias atuais, infelizmente, tanto o Direito como
a Religião é forte instrumento de dominação e manutenção do “status quo”, se
distanciando, com raríssimas exceções, dos princípios relacionados à igualdade
e à justiça.
7) “Autoridade e poder se
confundem muitas vezes e parecem mais identificados quanto mais a sociedade
adquire complexidade e precisa fazer frente aos entraves da natureza e da
convivência humana. Nas sociedades mais simples a noção de poder é quase nula;
nas de alguma complexidade a noção de poder começa a fazer sentido maior; entre
nós, as sociedades modernas industriais, o poder já é sinônimo de violência”.
(SARACUSA ROCHA, 2015, p. 100).
Explique a razão de haver
profunda diferença entre a compreensão de Poder nas Sociedades Simples e nas
Sociedades Complexas em que vivemos:
RESPOSTA: Nas sociedades simples em que não existe
ainda a dualidade do agir sobre o pensar, que ainda não existe a exploração do ser
humano e muito menos da natureza, a relação entre a pessoa que exerce o Poder e
os demais membros de referida sociedade é praticamente natural, é legitimado em
razão de suas próprias ações e da compreensão dos demais membros da sociedade
que as decisões do líder são tomadas sempre se levando em consideração o bem
maior daquela sociedade. Na sociedade moderna, infelizmente, as relações de
poder, com raríssimas exceções, exigem o uso da força bruta, da violência já
que quem exerce referido poder nem sempre está devidamente legitimado e tomando
as decisões de forma sincera e efetivamente levando em consideração o bem da
comunidade. Essa distorção do exercício do poder nas sociedades complexas,
totalmente descontextualizado com o bem maior da sociedade, tira a legitimidade
do líder, do governante, que, por sua vez, passa a lançar mão do uso da
violência. Resumindo, nas sociedades simples, geralmente é possível observar o
exercício do poder sem a utilização da violência, enquanto que nas sociedades
complexas, com a perca da legitimidade de quem exerce o poder, surgem os atos
de violência.
8) O pensamento de Hannah Arendt
(1906/1975) é fundamental para entendermos a questão que envolve a nossa
filosofia antropológica do direito. Para Arendt o poder está alicerçado em dois
conceitos concêntricos: 1) a Separação entre Poder e Violência; 2) a Ocupação
do espaço público. (SACADURA ROCHA, 2015)
Explique como ocorre o surgimento
entre Poder e Violência, tendo como base o pensamento de Hannah Arendt com
relação aos dois conceitos concêntricos citados no caput desta questão:
RESPOSTA: Para
Arendt Autoridade e Poder se complementam e essa subordinação do poder à
autoridade se opõem ao autoritarismo e a violência. É exatamente da ocupação do
espaço público de forma pró-ativa que os homens retiram a essência da legitimidade
da autoridade que designa o poder como forma política do existir humano.
De
forma contrária, uma participação no espaço público reativa, omissiva,
corresponde um vácuo de poder, ao mesmo tempo a negação da própria “condição
humana” e a condição profícua para o totalitarismo, forma extrema de
ilegalidade, arbítrio, truculência e “banalização do mal”.
9) “Quando Eichmann (general
nazista administrador e encarregado da logística dos campos de concentração
como Auschwitz) foi julgado em Israel, disse: “Se, no estrito cumprimento de
meu dever, tivesse de enviar meu pai e minha mãe para um campo de concentração,
não teria dúvidas em fazê-lo”. (SACADURA ROCHA, 2015)
Segundo o pensamento de Hannah
Arendt o que leva um sujeito como Eichmann a praticar os atos que praticou ao
ponto de realizar uma afirmação tão forte como a citada no caput desta questão:
RESPOSTA: O que leva um sujeito a agir de forma
mecânica, insensível, sem qualquer condição de ser atingido (sensibilizado)
pela violência e injustiça da qual é responsável exatamente por fazer parte da “engrenagem
burocrática” do poder, sem utilizar a técnica do pensar com o agir, ou seja,
sem realizar a devida análise e reflexão das consequências de seus atos.
10) “A lógica, o conceito de
inimigo está relacionado a um ser humano desprovido da condição humana, ou
seja, desprovido daquela condição jurídica e política que no ocidente, pós
revoluções liberais, todo ser humano tem direito, a uma proteção jurídica e
política mínima, retirada essa proteção dele, ele passa a ser tratado como não
humano AGAMBEN aponta como referência maior o Campo de Concentração. O que nós
vivemos é isso, um Campo de Concentração temporários dos territórios ocupados
pela pobreza no Rio de Janeiro sobre intervenção, intervenção de fato, é a
Favela, o ambiente ocupado pela pobreza, o Morro que são agora “Campos de
Concentração” virtuais e temporários que a gente tem no Brasil. Quer se dar
outra roupagem, a mídia transmite outra ideia, mas a realidade é essa, a gente
viu criança, que é um ser a ser protegido pela Comunidade, protegido pelo
Estado, a CF/88 é clara nisso, mas não é só um problema constitucional é um
problema humano, você tem criança sendo tratada como inimigo. (PEDRO SERRANO,
ESTADO DE EXCEÇÃO, PROGRAMA PANDORA).
Explique, contextualizando com os
documentários exibidos com as entrevistas de Pedro Serrano, como é que o Estado
de Exceção moderno está se apresentando no Brasil:
RESPOSTA: Para Pedro Serrano, o Estado de Exceção
moderno é aplicado dentro de um “aparente estado democrático” ele chega a
utilizar em sua palestra a expressão “50 tons de estados democráticos” em que
explica que são eleitos grupos de pessoas, no caso específico do exemplo discutido
no primeiro vídeo, o pobre, o favelado do Rio de Janeiro que passa por uma
intervenção militar. Dessa forma, tratando o favelado como inimigo, é possível
explicar nos termos da antropologia jurídica a tremenda e absurda contradição
de se chegar ao ponto de se revistar crianças que estavam a caminho da escola,
suas mochilas, seus pertences. Crianças cercadas por soldados fortemente
armados, colocadas na parede e revistadas. Essa imagem foi exibida nos jornais
do mundo inteiro. Só é possível justificar tal ação se você parte do
pressuposta que essas crianças não possuem seus direitos e garantias
fundamentais assegurados, que referidas crianças perderam a condição humana,
que estão sendo tratadas como o inimigo.
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