"O torturador não é um ideólogo, não comete crime de opinião, não comete crime político, portanto. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado" (Ayres Brito)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Ruy Carlos Vieira Berbert - Herói de Jales que lutou por democracia em momento que tantos se calaram


Desaparecidos políticos: à margem do rio dos Mortos (1)

agosto 12th, 2010 § Deixe um comentário
Primeira parte de artigo de Paula Sacchetta para a Carta Capital. Ruy Carlos Vieira Berbert é desaparecido político desde 1972. O pai, vendo que não lhe restava muito tempo de vida, viu-se obrigado a fazer um velório sem o corpo . Fazer justiça em nome do filho e do pai é revanchismo? Segundo o STF, sim.
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À margem do rio dos Mortos – Parte 1
“Queres tu, realmente, sepultá-lo, embora isso tenha sido vedado a toda a cidade?”
Fala de Ismênia na tragédia Antígon
Hoje, no Brasil, ainda são 144 os desaparecidos políticos da ditadura civil-militar. A reportagem que é publicada aqui é de autoria de Paula Sacchetta, estudante do quarto ano de Jornalismo da USP.
Corpos à espera do sepultamento. Familiares à espera de concretizar o luto, de acabar com a incerteza. Almas à espera da travessia do Aqueronte.
Na foto ao lado, protestos pelos desaparecidos da Ditadura durante seção da Lei de Anistia na Câmara dos Deputados. Foto: Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Cena 1: o começo ou sepultamento inusitado
Segunda-feira, 18 de maio de 1992. Em Jales, a 600 quilômetros de São Paulo, um caixão fechado é velado na Câmara Municipal. Foi decretado feriado, a cidade inteira está parada. A Câmara está lotada. Presentes crianças e adolescentes, gente de todas as idades. É um dia de sol muito quente, daqueles que nem ferro de marcar. Após o velório, um cortejo segue a pé até o cemitério.
Depois de anos de busca do filho desaparecido, Ruy Thales consegue enterrá-lo. O caixão é finalmente depositado no jazigo da família Berbert. Dentro dele, porém, não havia um corpo. Nem restos mortais. Apenas um terno completo e os sapatos de Ruy Carlos Vieira Berbert, desaparecido desde 1972. Objetos que haviam permanecido até então intocados em seu quarto, para “caso ele voltasse”.
Antes do início das cerimônias, Ruy Thales, o pai, chamou Amélia Teles em casa para tomar um café. Ela estava em Jales representando a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. “Ele havia me chamado para o enterro, mas eu sabia que os restos mortais não haviam sido encontrados. Aceitei o convite e não perguntei nada. Ele também não me disse nada”.
Depois do café, o conteúdo do caixão foi revelado. Naquele dia, Amélia foi cúmplice de Ruy Thales. Ninguém, além dos dois, sabia que o ataúde estava praticamente vazio. O pai já estava bastante idoso, e, prevendo que morreria logo, quis enterrar o filho. Mesmo sem ter um corpo. No fim do dia, depois do ato na Câmara e do enterro, deu um jantar para 80 pessoas. “Era uma mesa enorme, parecia um banquete”, conta Amélia. O pai de Berbert morreu pouco tempo depois. Mas conseguiu enterrar seu filho.
Cena 2: Ruy Carlos Vieira Berbert, presente!
O ritual foi a forma encontrada pela família Berbert para acabar com a espera. A maneira de encerrar o luto que já durava 20 anos. Estavam se libertando de um fantasma que, até hoje, assombra a vida de famílias inteiras: filhos, pais, mães e irmãos. Hoje, no Brasil, ainda são 144 os desaparecidos políticos.
“Não pode haver aceitação da ideia de que ainda existem mais de 140 brasileiros que muitos vivos sabem onde estão seus corpos ou como seus corpos deixaram de existir”, afirma Paulo Vannuchi, à frente da Secretaria Especial de Direitos Humanos desde o final de 2005.
O caso de Ruy Carlos Vieira Berbert é emblemático. Nascido em Regente Feijó, no interior paulista, em 1947, veio para São Paulo tentar o vestibular da USP. Passou em letras, começou o curso e se tornou militante no movimento estudantil. Mais tarde, passou à luta armada. Em 1969, viajou, pela ALN – Ação Libertadora Nacional, organização de maior expressão no cenário da guerrilha urbana, nascida como dissidência do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e que teve Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira como dirigentes –, para Cuba, de onde retornou como militante do Molipo – Movimento de Libertação Popular, surgido a partir de um racha da própria ALN.
A maioria dos que voltavam do treinamento na ilha socialista já chegava ao Brasil “queimada” e procuradíssima pela repressão. Quando os serviços de informação da ditadura souberam que os integrantes do Molipo estavam se espalhando de forma clandestina para dentro do país, o governo baixou uma ordem exigindo a prisão de todo e qualquer estranho recém-chegado às cidades do interior.
O turista relâmpago
Na virada de 1971 para 1972, Berbert instalou-se em Natividade (na época, em Goiás, hoje, no Tocantins), em uma pequena pensão. No dia seguinte, foi preso enquanto conversava tranquilamente na calçada com a filha do dono do estabelecimento.
A delegacia da cidade era bem antiga. Suas celas possuíam amplas janelas gradeadas que davam para a praça principal. Da janela, o preso conversava com as pessoas que por ali passavam. Em algumas horas, o militante tornou-se celebridade, quase uma atração turística. Ficou conhecido.
Dois ou três dias após sua prisão, baixou em Natividade “o pessoal de São Paulo”, como eram chamados os agentes do DOI-Codi. Nesse mesmo dia, Berbert apareceu enforcado em sua cela. A versão oficial: suicídio.
No dia seguinte, um grande proprietário de terras da região, não muito querido pela população local, também morreu. Os dois corpos partiram em cortejo rumo ao cemitério, seguidos por boa parte dos habitantes daquela cidade. Os agentes da repressão acreditavam que era por conta da morte do latifundiário, mas as pessoas estavam seguindo Berbert, o turista relâmpago, que, embora tivesse ficado tão pouco tempo na cidade, angariou simpatia e admiração, e que, do mesmo jeito que chegou, foi-se embora num piscar de olhos. Enterraram o latifundiário na ala “dos ricos” do cemitério, e o militante, numa vala comum, junto aos indigentes.
A família Berbert passou a ter informações sobre o filho somente através de notícias de jornal. Em 1979, um general ligado ao aparelho repressivo admitiu sua morte em entrevista concedida à Folha de S. Paulo. Na ocasião, dona Ottília, mãe de Ruy Carlos, disse ao grupo Tortura Nunca Mais que gostaria de mostrar a luta constante pela qual passaram, na busca incerta da solução de um passado certo: “Apesar dos fatos comprovarem a quase certeza de sua morte, nós vivemos mais de uma década com a esperança e o sonho de vê-lo novamente”.
Corpo que não era corpo
Apenas em 1991 começaram a obter dados mais concretos. Um atestado de óbito com o nome de João Silvino Lopes foi entregue à Comissão 261/90 da Prefeitura de São Paulo, criada no mandato da prefeita Luiza Erundina, para acompanhar a identificação das 1.049 ossadas encontradas na vala clandestina do cemitério Dom Bosco, no bairro de Perus. Segundo a versão oficial, Lopes havia se suicidado em 2 de janeiro de 1972, em Natividade. Embora pudesse ser um militante político, seu nome não constava na lista de desaparecidos.
Só um ano mais tarde, em 1992, quando os familiares dos mortos e desaparecidos tiveram acesso aos arquivos do Dops, foi encontrada uma relação elaborada a pedido de Romeu Tuma, diretor da unidade paulista do órgão entre 1977 e 1982. Nela, estava o nome de Ruy Carlos Vieira Berbert com as seguintes observações: preso em Natividade, suicidou-se na Delegacia de Polícia, em 2 de janeiro de 1972. Concluiu-se que João Silvino Lopes era o nome com que fora enterrado Ruy Carlos Vieira Berbert.
Tendo-se como base esse mesmo documento, foi possível saber que seu corpo estava no cemitério de Natividade, mas não em qual local exatamente. Para exumá-lo e fazer a posterior identificação, seria preciso escavar o cemitério inteiro. Membros da Comissão 261/90 explicaram a situação à família Berbert, que, resignada, se contentou com um atestado de óbito, concordando em não fazer a exumação praticamente impossível. O corpo permaneceu no local, mas um enterro simbólico foi realizado na cidade onde seus pais moravam.
Naquele dia, quem passou pela Câmara Municipal de Jales prestou homenagens frente ao caixão vazio de corpo, mas repleto de símbolos. Velaram um corpo que não era corpo, que não sabiam que não era corpo, mas que reverenciavam e o fariam ainda que o soubessem. No cemitério, colocaram a bandeira a meio-pau e cantaram o hino nacional. Tudo isso para o homem que não estava lá.

terça-feira, 19 de julho de 2011

REUNIÃO DO IDEJUST NA UCB - BRASÍLIA 2011

IV Reunião do Idejust
“Leituras do Caso Araguaia”
9 de julho, Brasília, DF


9h - Abertura
Paulo Abrão, Secretário Nacional de Justiça
Deisy Ventura, Coordenadora do IDEJUST
Representante do ICTJ

9h30 – Mesa 1: A jurisprudência da CIDH e o direito brasileiro

A Guerrilha do Araguaia, a Corte Interamericana e o Estado brasileiro: os possíveis reflexos da condenação sobre a inacabada transição brasileira
Eduardo Borges Araújo; Evandro de Nadai Sutil - UFPR/Brasil

A assincronia do direito e o caso Araguaia: Uma análise da decisão do Supremo Tribunal Federal brasileiro na ADPF 153 e do julgamento do Caso Gomes Lund e outros vs. Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
Jânia Maria Lopes Saldanha; Márcio Morais Brum; Rafaela da Cruz Mello – UFSM/Brasil

OS CRIMES DE LESA-HUMANIDADE PRATICADOS PELA DITADURA CIVIL-MILITAR BRASILEIRA E A DECISÃO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS NO CASO ARAGUAIA: Uma análise a partir da perspectiva do Direito Internacional e da concretização dos direitos humanos como direitos universalmente fundamentais
Pedro Ribeiro Agustoni Feilke – PUC-RS/Brasil

10h30 - Intervalo

A obrigação de tipificar o delito de desaparecimento forçado trazida pela sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil
Cleopas Isaías Santos; Fábio Balestro Floriano; Márcia Elayne Berbich de Moraes – UFRGS/Brasil

Como o MPF pode contribuir para o cumprimento da Decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso “Guerrilha do Araguaia”
Inês Virgínia Prado Soares; Lúcia Ferreira Bastos Arantes; Renan Honório Quinalha – USP/Brasil

Caso Araguaia (Gomes Lund e outros), Corte Interamericana de Direitos Humanos e Supremo Tribunal Federal: o crime de responsabilidade por desídia no julgamento da ADPF n° 153
Alessandro Martins Prado – UEMS/Brasil

11h50 – Debate

13h - Almoço

14h30 – Mesa 2: O Brasil e a Comissão da Verdade

Comissão da verdade: o papel da verdade na justiça de transição e o caso brasileiro
Marina Rodrigues Mesquita

O “Caso Gomes Lund y otros vs. Brasil” e a Comissão Nacional da Verdade: O papel da Comissão Nacional da Verdade no cumprimento da sentença condenatória proferida no “Caso Gomes Lund” pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
Michèle Diz y Gil Corbi - USP/Brasil

Brasil e, finalmente, a Comissão da Verdade? Desvelamento da “verdade sufocada”?
Rafael Schincariol - USP/Brasil

15h30 - Debate

16h – Mesa 3:  A transcendência do Caso Araguaia

Brasil e Uruguai: uma análise comparada das jurisprudências dos tribunais constitucionais, no tocante aos questionamentos feitos as suas respectivas Leis de Anistia
Fabio Tibiriçá Bom - USP e SBDP/Brasil

DA GUERRILHA À GUERRA POPULAR PROLONGADA: O caminhar justransicional no Brasil a partir do “Caso Araguaia”
FILIPE JORDÃO MONTEIRO - PUC-Camp/Brasil

Os desaparecimentos forçados e a clandestinidade do regime militar na mesma margem do Araguaia
Claudia Paiva Carvalho; Gabriel Rezende de Souza - UnB/Brasil

Leituras do Araguaia: a memória dos mortos e desaparecidos e o direito de ser sepultado
Fabiana Santos Dantas – UFPE/Brasil

À margem de nós, a democracia: notas sobre a justiça de transição no Brasil e a guerrilha do Araguaia
Talita Tatiana Dias Rampin; Naiara Souza Grossi - UNESP/Brasil

17h40 – Debate

18h – Plenária do IDEJUST

19h - Encerramento