CRIME DE GENOCÍDIO DO POVO GUARANI KAIOWÁ E A COMPLETA OMISSÃO DO
ESTADO BRASILEIRO
Iremos iniciar uma série de posts fundamentados no fruto do resultado
parcial do projeto de pesquisa intitulado “DIREITO
À MEMÓRIA E À VERDADE E OS 50 ANOS DA DITADURA CIVIL E MILITAR BRASILEIRA:
DESMISTIFICAR FALÁCIAS E DIVULGAR PARA QUE NUNCA MAIS ACONTEÇA”,
projeto vinculado ao Grupo de Pesquisa CNPq “DIREITOS HUMANOS NO ESTADO
DEMOCRÁTICO DE DIREITO, INTERDISCIPLINARIDADE E EFETIVAÇÃO POSSÍVEL”.
Referido
Grupo de pesquisa voltou suas energias nos últimos dois anos para pesquisar as
questões relacionadas com relação as causas dos conflitos agrários envolvendo
os povos indígenas do Estado de Mato Grosso do Sul e a razão pela qual o número
de homicídios e suicídios envolvendo indígenas Guaranis Kaiowá é tão demasiadamente elevado em comparação proporcional com outras etnias e outros povos indígenas do
Brasil e de demais países do globo.
Neste
sentido, iniciaremos uma série de denúncias contundentes com relação a tragédia
humanitária em que se encontra o Povo Guarani Kaiowá e a completa omissão do
Estado brasileiro em promover qualquer iniciativa para resolver a questão.
Destacamos
que muito pior que a Omissão do Estado brasileiro com relação ao Povo Guarani
Kaiowá são as decisões esdrúxulas dos Poderes Executivo e Judiciário com
relação as questões relacionadas a suspensão das demarcações das Terras
Indígenas e a Absurda Decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de que
apenas as Terras Indígenas ocupadas por povos indígenas em 1988, ano da
Promulgação da Constituição Federal de 1988 poderão ser reconhecidas.
A
decisão se faz absolutamente esdrúxula na medida em que o Relatório Figueiredo
e o Relatório da Comissão Nacional da Verdade provaram que foi o próprio Estado
brasileiro que, durante as Ditaduras Vargas e Civil/Militar iniciada em 1964
que promoveu a remoção forçada dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul. Essa
remoção foi realizada sem qualquer estudo antropológico sério de paridade
técnica para que esses povos pudessem retomar suas vidas nas novas Terras
Indígenas que estavam sendo despejados. Essas Terras Indígenas criadas pelo
Governo Militar se revelaram verdadeiros depósitos humanos, com etnias de povos
rivais, sem condições de manutenção de culturas agrícolas de subsistência, sem
condições de manutenção de suas atividades culturais afetas a cada uma das
etnias que estavam sendo removidas para o que se pode até mesmo chamar de
campos de concentração indígenas, razão pela qual, esses Povos, principalmente
os Guarani Kaiowás, resistiram e retornaram para suas terras de origem.
O
Estado brasileiro, por meio de seus agentes cometeram claramente o Crime de
Genocídio contra o Povo Guarani Kaiowá, crime este tipificado na Lei número
2.889, de 1º de outubro de 1956, e deve ser responsabilizado por seus atos.
O
crime é continuado na medida em que seus efeitos não cessaram ao longo do tempo
de modo que é possível responsabilizar os agentes que cometeram o crime
diretamente na ocasião da remoção forçada dos índios e também os responsáveis
por não corrigir o fato típico criminoso como coparticipe da ação criminosa.
O
Artigo 1º de referida lei tipifica e define o crime de genocídio:
Art.
1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade
física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a
condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou
parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os
nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de
crianças do grupo para outro grupo;
Com relação as remoções forçadas promovidas pelo Estado brasileiro o
Grupo de Pesquisa apurou que:
O
Artigo 1º de referida lei tipifica e define o crime de genocídio:
“Art.
1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, como tal:
[...]
e) efetuar a transferência forçada de
crianças do grupo para outro grupo;”
A CNV concluiu que as agressões aos direitos humanos indígenas foram
resultado de uma política de Estado já que: “Não são esporádicas nem acidentais
essas violações: elas são sistêmicas, na medida em que resultam diretamente de
políticas estruturais de Estado, que respondem por elas, tanto por suas ações
como por suas omissões” (VERVADE, 2014, p.204).
O relatório da CNV vai além e afirma literalmente que com “[...] o
resultado dessa política de Estado foi possível estimar ao menos 8.350
indígenas mortos no período investigado da CNV, em decorrência de ação direta
de agentes governamentais ou da sua omissão [...]” (VERDADE, 2014, p. 205).
Ademais, tribos indígenas inteiras foram removidas à força para locais
inapropriados para o desenvolvimento de suas vidas, cultura e até mesmo a
subsistência, por inúmeros fatores, um deles, por exemplo, o número excessivo
de indígenas confinados em espaço absolutamente insuficiente. No ano de 1982 há
registro de uma remoção e confinamento dos Guarani para uma exígua faixa de
terra, sem haver nenhuma paridade em tamanho e condições ambientais com o território
ocupado anteriormente (VERDADE, 2014)
Não bastasse isso, aldeias eram invadidas por expedições de pistoleiros
que tinham o objetivo de “limpar a área” da presença dos índios, havendo ao
registro de um brutal acontecimento em outubro de 1963, ocasião em que
Francisco Luis de Souza, conhecido pistoleiro, metralhou os indígenas de uma
aldeia. Sobreviveram uma mulher e uma criança, Chico Luís, como era conhecido,
atirou na cabeça da criança, amarrou a mulher ainda viva com as pernas
entreabertas, pendurada, de cabeça para baixo e a dividiu no meio com golpes de
facão (VERDADE, 2014).
Com
relação a causar grave lesão à integridade física ou mental de membros do grupo
ou submeter os membros do grupo a condições de existência capazes de
ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial:
O
Artigo 1º de referida lei tipifica e define o crime de genocídio:
Art.
1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional,
étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade
física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a
condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou
parcial;
Lúcia Helena Rangel (2011), esclarece que no Estado de Mato Grosso do
Sul são registrados atualmente os casos mais graves de violência e desrespeito
aos direitos humanos dos indígenas no país.
Em relação a situação geral do estado, o MPF considera o Mato Grosso do
Sul a “Faixa de Gaza brasileira”, uma vez que a mortalidade entre os Guarani e
Kaiowá, em especial por mortes violentas, atinge números mais altos do que nos
países mais violentos do mundo. Segundo definição do Secretário Geral da
Anistia Internacional que visitou o APYKA´I recentemente, e não foi recebido
pelo governo Dilma, este é um “lugar onde os direitos humanos não existem”. (
Crise humanitária dos Guarani Kaiowá em Dourados (MS) http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=8222)
Desde o começo essas retomadas estão manchadas com o sangue indígena que
está sendo derramado, muitas lideranças foram assassinas desde Marçal de Souza
Guarani (1983), passando pelo Cacique Marcos Veron (2003) até chegar no dia
10/08/2012 com morte de uma criança e do Cacique Rezador Eduardo Pires em
ataque de pistoleiros ao acampamento indígena em Paranhos-MS, já soma-se mais
300 mortes de lideranças e professores indígenas. (https://solidariedadeguaranikaiowa.wordpress.com/breve-historico/)
Sem as demarcações o conflito não vai acabar. O Guarani Kaiowá foram retirados de suas terras ancestrais contra sua vontade pelo Estado brasileiro e existe uma quantidade de provas documentais no Relatório Figueiredo e no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade que é mais do que suficiente para demonstrar a completa injustiça que está sendo feita contra o Povo Guarani Kaiowá com atos omissivos e comissivos do Estado.
Denunciar apenas a Corte Interamericana de Direitos Humanos as agressões do Estado brasileiro contra esse povo, a nosso ver, não será suficiente para cessar as agressões e, mais que isso, resolver a questão definitivamente, forçando as autoridades responsáveis a realizarem as devidas demarcações.
Apenas 3% da área do Estado do Mato Grosso do Sul é suficiente para alocar os Povos Indígenas e por fim ao conflito e a tragédia humanitária que se arrasta por anos.
Devemos, dessa forma, aprofundar estudos, nós pesquisadores desta causa, no sentido de preparar denúncias de autoridades envolvidas nesta tragédia humanitária, seja de forma omissiva, seja de forma comissiva, para que sejam devidamente denunciadas para a Jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Reforço aqui, acredito que será a única opção de conseguirmos resolver essa questão em um razoável período de tempo. Devemos unir forças e passar e direcionar nossos estudos para preparar DENÚNCIAS DAS AUTORIDADES E CIVIS RESPONSÁVEIS PELA TRAGÉDIA DOS GUARANI KAIOWÁ PARA QUE RESPONDAM NO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.