"O torturador não é um ideólogo, não comete crime de opinião, não comete crime político, portanto. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado" (Ayres Brito)

terça-feira, 29 de agosto de 2017

TDH – VIOLÊNCIA - GENOCÍDIO INDÍGENA NO BRASIL

TDH – VIOLÊNCIA - GENOCÍDIO INDÍGENA NO BRASIL
- HOLOCAUSTO INDÍGENA BRASILEIRO
No Brasil houve um verdadeiro Holocausto contra nossos Povos Indígenas. Só para se ter uma ideia do que estamos falando, a população de indivíduos indígenas de acordo com o Censo realizado em 2010 pelo IBGE é de 896.917 (oitocentos e noventa e seis mil e novecentos e dezessete indivíduos), enquanto que, em países vizinhos da América Latina com o território muito inferior ao tamanho do território brasileiro o número de indivíduos indígenas é verificado na casa dos milhares. No México temos 17 milhões, no Peru são 7 Milhões, na Bolívia, 62% da população é indígena, na Guatemala 42% da população é indígena. No Brasil, com nosso território imenso, temos menos de um milhão de indivíduos indígenas que sobreviveram ao massacre que promovemos contra os Povos Indígenas do Brasil.
CRIME DE GENOCÍDIO DO POVO GUARANI KAIOWÁ E A COMPLETA OMISSÃO DO ESTADO BRASILEIRO
Destacamos que muito pior que a Omissão do Estado brasileiro com relação ao Povo Guarani Kaiowá são as decisões esdrúxulas dos Poderes Executivo e Judiciário com relação as questões relacionadas a suspensão das demarcações das Terras Indígenas e a Absurda Decisão do Supremo Tribunal Federal no sentido de que apenas as Terras Indígenas ocupadas por povos indígenas em 1988, ano da Promulgação da Constituição Federal de 1988 poderão ser reconhecidas.
A decisão se faz absolutamente esdrúxula na medida em que o Relatório Figueiredo e o Relatório da Comissão Nacional da Verdade provaram que foi o próprio Estado brasileiro que, durante as Ditaduras Vargas e Civil/Militar iniciada em 1964 que promoveu a remoção forçada dos povos indígenas do Mato Grosso do Sul. Essa remoção foi realizada sem qualquer estudo antropológico sério de paridade técnica para que esses povos pudessem retomar suas vidas nas novas Terras Indígenas que estavam sendo despejados. Essas Terras Indígenas criadas pelo Governo Militar se revelaram verdadeiros depósitos humanos, com etnias de povos rivais, sem condições de manutenção de culturas agrícolas de subsistência, sem condições de manutenção de suas atividades culturais afetas a cada uma das etnias que estavam sendo removidas para o que se pode até mesmo chamar de campos de concentração indígenas, razão pela qual, esses Povos, principalmente os Guarani Kaiowás, resistiram e retornaram para suas terras de origem.
O Estado brasileiro, por meio de seus agentes cometeram claramente o Crime de Genocídio contra o Povo Guarani Kaiowá, crime este tipificado na Lei número 2.889, de 1º de outubro de 1956, e deve ser responsabilizado por seus atos.
O crime é continuado na medida em que seus efeitos não cessaram ao longo do tempo de modo que é possível responsabilizar os agentes que cometeram o crime diretamente na ocasião da remoção forçada dos índios e também os responsáveis por não corrigir o fato típico criminoso como coparticipe da ação criminosa.
O Artigo 1º de referida lei tipifica e define o crime de genocídio:
 Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;
d) adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo;
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;

Com relação as remoções forçadas promovidas pelo Estado brasileiro o Grupo de Pesquisa apurou que:
O Artigo 1º de referida lei tipifica e define o crime de genocídio:
 “Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
[...]
e) efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo;”

A CNV concluiu que as agressões aos direitos humanos indígenas foram resultado de uma política de Estado já que: “Não são esporádicas nem acidentais essas violações: elas são sistêmicas, na medida em que resultam diretamente de políticas estruturais de Estado, que respondem por elas, tanto por suas ações como por suas omissões” (VERVADE, 2014, p.204).
O relatório da CNV vai além e afirma literalmente que com “[...] o resultado dessa política de Estado foi possível estimar ao menos 8.350 indígenas mortos no período investigado da CNV, em decorrência de ação direta de agentes governamentais ou da sua omissão [...]” (VERDADE, 2014, p. 205).
Ademais, tribos indígenas inteiras foram removidas à força para locais inapropriados para o desenvolvimento de suas vidas, cultura e até mesmo a subsistência, por inúmeros fatores, um deles, por exemplo, o número excessivo de indígenas confinados em espaço absolutamente insuficiente. No ano de 1982 há registro de uma remoção e confinamento dos Guarani para uma exígua faixa de terra, sem haver nenhuma paridade em tamanho e condições ambientais com o território ocupado anteriormente (VERDADE, 2014)
Não bastasse isso, aldeias eram invadidas por expedições de pistoleiros que tinham o objetivo de “limpar a área” da presença dos índios, havendo ao registro de um brutal acontecimento em outubro de 1963, ocasião em que Francisco Luis de Souza, conhecido pistoleiro, metralhou os indígenas de uma aldeia. Sobreviveram uma mulher e uma criança, Chico Luís, como era conhecido, atirou na cabeça da criança, amarrou a mulher ainda viva com as pernas entreabertas, pendurada, de cabeça para baixo e a dividiu no meio com golpes de facão (VERDADE, 2014).

Com relação a causar grave lesão à integridade física ou mental de membros do grupo ou submeter os membros do grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física total ou parcial:
O Artigo 1º de referida lei tipifica e define o crime de genocídio:
 Art. 1º Quem, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
a) matar membros do grupo;
b) causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo;
c) submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial;

Lúcia Helena Rangel (2011), esclarece que no Estado de Mato Grosso do Sul são registrados atualmente os casos mais graves de violência e desrespeito aos direitos humanos dos indígenas no país.


FAIXA DE GAZA BRASILEIRA
Em relação a situação geral do estado, o MPF considera o Mato Grosso do Sul a “Faixa de Gaza brasileira”, uma vez que a mortalidade entre os Guarani e Kaiowá, em especial por mortes violentas, atinge números mais altos do que nos países mais violentos do mundo. Segundo definição do Secretário Geral da Anistia Internacional que visitou o APYKA´I recentemente, e não foi recebido pelo governo Dilma, este é um “lugar onde os direitos humanos não existem”. ( Crise humanitária dos Guarani Kaiowá em Dourados (MS) http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=8222)



300 MORTES DE LIDERANÇAS INDÍGENAS
Desde o começo essas retomadas estão manchadas com o sangue indígena que está sendo derramado, muitas lideranças foram assassinas desde Marçal de Souza Guarani (1983), passando pelo Cacique Marcos Veron (2003) até chegar no dia 10/08/2012 com morte de uma criança e do Cacique Rezador Eduardo Pires em ataque de pistoleiros ao acampamento indígena em Paranhos-MS, já soma-se mais 300 mortes de lideranças e professores indígenas. (https://solidariedadeguaranikaiowa.wordpress.com/breve-historico/)

Sem as demarcações o conflito não vai acabar. O Guarani Kaiowá foram retirados de suas terras ancestrais contra sua vontade pelo Estado brasileiro e existe uma quantidade de provas documentais no Relatório Figueiredo e no Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade que é mais do que suficiente para demonstrar a completa injustiça que está sendo feita contra o Povo Guarani Kaiowá com atos omissivos e comissivos do Estado.
Denunciar apenas a Corte Interamericana de Direitos Humanos as agressões do Estado brasileiro contra esse povo, a nosso ver, não será suficiente para cessar as agressões e, mais que isso, resolver a questão definitivamente, forçando as autoridades responsáveis a realizarem as devidas demarcações.
Apenas 3% da área do Estado do Mato Grosso do Sul é suficiente para alocar os Povos Indígenas e por fim ao conflito e a tragédia humanitária que se arrasta por anos.
Devemos, dessa forma, aprofundar estudos, nós pesquisadores desta causa, no sentido de preparar denúncias de autoridades envolvidas nesta tragédia humanitária, seja de forma omissiva, seja de forma comissiva, para que sejam devidamente denunciadas para a Jurisdição do Tribunal Penal Internacional.
Reforço aqui, acredito que será a única opção de conseguirmos resolver essa questão em um razoável período de tempo. Devemos unir forças e passar e direcionar nossos estudos para preparar DENÚNCIAS DAS AUTORIDADES E CIVIS RESPONSÁVEIS PELA TRAGÉDIA DOS GUARANI KAIOWÁ PARA QUE RESPONDAM NO ÂMBITO DA JURISDIÇÃO DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL.


terça-feira, 8 de agosto de 2017

Antropologia Jurídica - I) MAGIA, PODER E DIREITO

I) MAGIA, PODER E DIREITO
- A magia: a magia é, em primeiro lugar, o elo místico do homem primevo com a natureza, uma natureza possuidora de forças – reações – incognoscíveis, diante das quais o homem está em relação de inferioridade. As comunidades primárias, diante da potencialidade superior da natureza, reproduzem em seu “formalismo” da experiência cotidiana o sacrifício sagrado de subserviência a essas potencialidades. Não é a razão da ciência, não é a lógica formal do conhecimento, mas a adoração e a veneração do que se deixa dominar (ROCHA, 2015, p.83).
A Magia nasce, dessa forma, da completa incompreensão do homem pelo poder dos fenômenos naturais da natureza, como os raios, tempestades, noite, dia, estrelas, enchentes, secas etc.
- Rituais mágicos: os rituais mágicos, no início, para o homem primário, se revestem de um caráter coercitivo por parte dos espíritos, e no sentido indicado pelo praticante dos atos mágicos, o feiticeiro, o xamã, o oráculo. (ROCHA, 2015, p.83).
A verdade é que o feiticeiro exerce uma função de poder sobre os demais membros da tribo.
- Surgimento da Religião e do Direito: Quando, mais tarde, esse mesmo sentimento de potencialidade, que a própria razão científica em vão tenta conhecer, exige outros rituais, a religião estabelecerá a aliança entre o conhecimento analítico e a fé, agora, porém, com algum impedimento da arbitrariedade da ação divina, estabelece-se certa juridicidade. (ROCHA, 2015, p.83/84)
Neste sentido, quando o homem inseri a razão científica na busca de tentar compreender “as potencialidades” da natureza, a soma da razão científica, produz novos rituais que transforma magia em religião, com o predomínio da fé, e, agora, de certos limites ao “feiticeiro”, trazidos pela razão, surgindo o embrião da juridicidade, e assim, o Direito.
- Surgimento do binômio Religião e Ciência = Poder:
Estamos diante do surgimento do binômio Religião e Ciência, em uma visão materialista, com em Engels (1820-1895), a religião aparece junto com o direito e de maneira apolítica, portanto, junto com a razão científica, como uma ciência a par das outras. [...] A virtude da visão de Engels é que religião e ciência passam a ser produtos de uma mesma razão, como tal se complementam – metafísico e empirismo, divindade e experiência. Nesse sentido, tanto a ciência como a religião, para o homem não primevo, são produtos de uma mesma reação a conquistar o conhecimento e também, portanto, produto de relações concretas dos homens em seu devir de sobrevivência, que podem atender, e atendem, a forças, não mais da natureza, mas de poder. (ROCHA, 2015)
- Para Comunidades Primárias – Magia como surgimento do Direito Primitivo:
Para as comunidades primárias, a magia é a um tempo a adoração e a integração com o meio natural potencialmente superior, e de imediato, como forma e meio a partir do qual se estabelecem as práticas de sobrevivência material. Assim, pode-se dizer que a magia está na origem do “direito primitivo”, na explicação e determinação regras de conduta e sanções impostas diante da desobediência a essas mesmas regras. Pesquisas antropológicas têm demonstrado, em diversas organizações sociais menos diferenciadas, que a magia exerce um papel comum quando se trata de estabelecer a RECIPROCIDADE, no respeito e devoção do homem com a natureza, e por isso mesmo, a mesma igualdade entre os membros da comunidade, diferentemente do nosso tipo de organização social que se caracteriza pela COMPETITIVIDADE, tanto em relação ao meio ambiente como em relação a nossos semelhantes. Como se disse anteriormente, a dominação da natureza acaba produzindo a dominação do homem. (ROCHA, 2015, p.84)
- Direito e Religião:

A etapa intermediária entre o direito mágico das comunidades primárias e o direito de nossas sociedades com Estado foi, em muitos casos, o direito religioso e divino. Por todas as sociedades do Ocidente e por todas as civilizações antigas do Oriente houve ordenamentos jurídicos com base no divino. Isso levou à especialização de um clero e à preponderância de um segmento social formal por teólogos-juristas, que rapidamente construíram uma estrutura administrativa e burocrata que, ao sabor dos interesses dos grupos dominantes, estabelece os direitos e as sanções sociais a cada época. Assim, o direito e a religião, longe de ser instrumento de igualdade e justiça, passam a ser instrumento de poder efetivamente tomado como dominação social, econômica e política. O fim da magia é, igualmente, o fim de uma sociedade igualitária. O império da religião é o dos deuses voluntariosos usados como serviçais das elites poderosas. Quando o direito laico e posto pelos homens surgir e consolidar-se efetivamente, haverá de provar que a escrita da dominação religiosa no direito deverá desaparecer!(ROCHA, 2015, p.87)