"O torturador não é um ideólogo, não comete crime de opinião, não comete crime político, portanto. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado" (Ayres Brito)

quinta-feira, 30 de agosto de 2018

NOÇÕES GERAIS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO


NOÇÕES GERAIS DE DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

1) ORDEM PÚBLICA
Conceito: a ordem pública é reflexo da filosofia sociopolítico-jurídica de toda legislação e que representa a moral básica de uma nação, protegendo as necessidades de um Estado, bem como os interesses essenciais dos sujeitos de direito, constituindo princípio que não pode ser desrespeitado pela aplicação da lei estrangeira.
1.1   Características
a) Relatividade e instabilidade: o que significa dizer que ela emana da “mens populi” (mentalidade do povo) e varia no tempo e no espaço, variando de Estado para outro e se alterando de acordo com a evolução dos fenômenos sociais internos.
Ex.  Até o ano de 2003, o porte de arma era praticamente liberado no Brasil, sendo que, a Lei 10.826/2003, o Estatuto do Desarmamento, dificultou ainda mais o posse de arma que estava previsto na Lei 9437/97, que, em seu artigo 6º praticamente autorizava o porte de arma mediante à autorização a autoridade competente:
Art. 6° O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade competente, ressalvados os casos expressamente previstos na legislação em vigor.
Podemos observar que houve uma mudança da cultura do povo brasileiro que entendeu pelo endurecimento da autorização do porte de armas no Brasil.
Nos dias atuais, um candidato a presidência da república com razoável chances de vencer a eleição tem defendido a revogação do Estatuto do Desarmamento.
b) Contemporaneidade: a ordem pública é sempre atual, possuindo uma qualidade que obriga o aplicador da lei a atentar para o estado da situação na época em que vai julgar a questão, sem considerar a mentalidade prevalente à época da ocorrência do fato/ato jurídico.
Ex. Até 2003, o Código Civil brasileiro trazia em seu texto algumas previsões esdrúxulas tais como a) permissão do marido para a mulher poder trabalhar fora de casa; b) anulação do casamento se na noite de núpcias fosse verificado que a mulher não era virgem, etc.
c) Fator exógeno: trata-se da influência de elementos externos às normas jurídicas pátrias.
Ex. muito atual: A promulgação do Tratado Internacional sobre Direitos Civis e Políticos pelo Brasil em 1996 está provocando enorme controvérsias injustificadas na mídia nacional. O Comitê de Direitos Humanos da ONU recomendou que em razão de referido tratado o candidato Lula deve ter seus direitos eleitorais e de campanha assegurados. No dia 29, os membros do CNDH – Conselho Nacional de Direitos Humanos divulgou nota pública aprovada no dia 27 de agosto de 2018, reconhecendo a legitimidade da resolução do Comitê de Direitos Humanos da ONU sobre o direito do ex-presidente Lula, candidato à Presidência da República, participar das eleições.
- Outro exemplo: podemos citar as discussões a respeito da regulamentação da eutanásia no Brasil.
- Filme Como eu era antes de você - temática sobre a eutanásia:
- Documentário brasileiro Solitário Anônimo:

2. FRAUDE À LEI
Conceito: há fraude à lei no direito internacional privado quando o agente, artificiosamente, altera o fundamento do elemento de conexão para se beneficiar da lei que lhe é mais favorável, em detrimento daquela que seria realmente aplicável.
Art. 6º da Convenção Interamericana sobre Normas Gerais de Direito Internacional Privado: “Não se aplica como direito estrangeiro o direito de um Estado Parte quando artificiosamente se tenha burlado os princípios fundamentais da lei do outro Estado Parte.
Ex. A Holanda foi o primeiro país do mundo a legalizar o casamento homoafetivo. No Brasil, em 15 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou uma nova resolução, de autoria do ministro Joaquim Barbosa, que obriga os cartórios de todo o país a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento. Antes disso, alguns casais brasileiros tentavam realizar o seu casamento em países que já tinham aprovado a união homoafetiva e depois tentavam revalidar referida situação jurídica no nosso país.
3. REENVIO
Conceito: é o modo de interpretar a norma do direito internacional privado, mediante a substituição da lei nacional pela estrangeira, desprezando o elemento de conexão apontado pela ordenação nacional, para dar preferência à indicada pelo ordenamento alienígena.
A bem da verdade, vale registrar que se o direito internacional for o escolhido para ter aplicação, resta definir suas extensão; se abrange apenas normas materiais ou também as normas de direito privado estrangeiro, podendo haver três soluções adotadas pelos países:
a)     Países que adotam apenas o direito material;
b)    Países que levam em consideração as normas do direito internacional privado estrangeiro;
c)     Países de posicionamento intermediário;
OBS. O Brasil adota o primeiro posicionamento, ignorando as normas indiretas de direito internacional privado de outros países. Desta forma, o reenvio é expressa e categoricamente proibido no Brasil nos termos do artigo 16 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.
Art. 16.  Quando, nos termos dos artigos precedentes, se houver de aplicar a lei estrangeira, ter-se-á em vista a disposição desta, sem considerar-se qualquer remissão por ela feita a outra lei.
- Nos países que adotam o segundo entendimento, várias possibilidades poderão surgir, conforme leciona Beat Walter Rechsteiner (2017):
1ª) O direito internacional privado do país A designa o Direito do país B como aplicável. O direito internacional privado do país B, por seu lado, indica o direito substantivo ou material do país B como o aplicável. Neste caso, inexistem problemas para o juiz do país A na aplicação do Direito. Aplicável é o direito substantivo ou material do país B.
2º) O Direito Internacional Privado do país A designa o Direito do país B como aplicável. O direito internacional Privado do país B, por sua vez, indica o direito substantivo ou material do país A como aplicável. Neste caso, inexistem problemas para o juiz do país A na aplicação do Direito. Aplicável é o direito substantivo ou material do país A.
3º ) O Direito Internacional Privado do país A designa o Direito do país B como aplicável. O Direito Internacional Privado do país B, por seu lado, indica o Direito Internacional Privado do país A como aplicável. Neste caso, surge o problema do reenvio, porque a ordem jurídica designada que é de Direito Internacional Privado do país B, devolve a decisão e indica como aplicável o Direito Internacional Privado do país A, exsurgindo desse fato o que a doutrina denomina de “renvoi” (reenvio de primeiro grau, devolução, retorno). Como se resolve a questão do reenvio de primeiro grau na doutrina e na jurisprudência? A regra geral é a de que o país A aceite o reenvio (devolução, retorno) do país B e aplique a “lex fori”, isto é, a lei substantiva ou material do foro do julgamento.
4º) O Direito internacional Privado do país A designa o Direito do país B como aplicável. O Direito Internacional Privado do país B, por seu turno, indica o Direito Internacional Privado do país C como aplicável (reenvio de segundo grau). A situação torna-se problemática nesses casos, quando também o Direito Internacional Privado do país C não se declara aplicável, indicando ou quarto país. Tais casos são raros na prática. Para resolvê-los, as diversas legislações e doutrinas apontam diversas soluções, não havendo ainda uma jurisprudência a respeito.
4) QUALIFICAÇÃO PRÉVIA
Conceito: qualificar significa adequar um caso concreto a uma especialidade do direito que lhe é pertinente (Exs. Direito de Família, Direito das Coisas, Estatuto Pessoal,  Direito das Obrigações, etc.), classificando a matéria jurídica e definindo questões principais ( Ex. Divórcio, Competência jurisdicional de bens imóveis, Capacidade da pessoa física, Validade do Contrato).
Logo, a qualificação se resume a identificar um fato perante o direito e envolve a determinação da unicidade da situação jurídica em relação ao caso concreto e o estabelecimento da norma de direito internacional privado aplicável.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

I) MAGIA, PODER E DIREITO


I) MAGIA, PODER E DIREITO
- A magia: a magia é, em primeiro lugar, o elo místico do homem primevo com a natureza, uma natureza possuidora de forças – reações – incognoscíveis, diante das quais o homem está em relação de inferioridade. As comunidades primárias, diante da potencialidade superior da natureza, reproduzem em seu “formalismo” da experiência cotidiana o sacrifício sagrado de subserviência a essas potencialidades. Não é a razão da ciência, não é a lógica formal do conhecimento, mas a adoração e a veneração do que se deixa dominar (ROCHA, 2015, p.83).
A Magia nasce, dessa forma, da completa incompreensão do homem pelo poder dos fenômenos naturais da natureza, como os raios, tempestades, noite, dia, estrelas, enchentes, secas etc.
- Rituais mágicos: os rituais mágicos, no início, para o homem primário, se revestem de um caráter coercitivo por parte dos espíritos, e no sentido indicado pelo praticante dos atos mágicos, o feiticeiro, o xamã, o oráculo. (ROCHA, 2015, p.83).
A verdade é que o feiticeiro exerce uma função de poder sobre os demais membros da tribo.
- Surgimento da Religião e do Direito: Quando, mais tarde, esse mesmo sentimento de potencialidade, que a própria razão científica em vão tenta conhecer, exige outros rituais, a religião estabelecerá a aliança entre o conhecimento analítico e a fé, agora, porém, com algum impedimento da arbitrariedade da ação divina, estabelece-se certa juridicidade. (ROCHA, 2015, p.83/84)
Neste sentido, quando o homem inseri a razão científica na busca de tentar compreender “as potencialidades” da natureza, a soma da razão científica, produz novos rituais que transforma magia em religião, com o predomínio da fé, e, agora, de certos limites ao “feiticeiro”, trazidos pela razão, surgindo o embrião da juridicidade, e assim, o Direito.
- Surgimento do binômio Religião e Ciência = Poder:
Estamos diante do surgimento do binômio Religião e Ciência, em uma visão materialista, com em Engels (1820-1895), a religião aparece junto com o direito e de maneira apolítica, portanto, junto com a razão científica, como uma ciência a par das outras. [...] A virtude da visão de Engels é que religião e ciência passam a ser produtos de uma mesma razão, como tal se complementam – metafísico e empirismo, divindade e experiência. Nesse sentido, tanto a ciência como a religião, para o homem não primevo, são produtos de uma mesma reação a conquistar o conhecimento e também, portanto, produto de relações concretas dos homens em seu devir de sobrevivência, que podem atender, e atendem, a forças, não mais da natureza, mas de poder. (ROCHA, 2015)
- Para Comunidades Primárias – Magia como surgimento do Direito Primitivo:
Para as comunidades primárias, a magia é a um tempo a adoração e a integração com o meio natural potencialmente superior, e de imediato, como forma e meio a partir do qual se estabelecem as práticas de sobrevivência material. Assim, pode-se dizer que a magia está na origem do “direito primitivo”, na explicação e determinação regras de conduta e sanções impostas diante da desobediência a essas mesmas regras. Pesquisas antropológicas têm demonstrado, em diversas organizações sociais menos diferenciadas, que a magia exerce um papel comum quando se trata de estabelecer a RECIPROCIDADE, no respeito e devoção do homem com a natureza, e por isso mesmo, a mesma igualdade entre os membros da comunidade, diferentemente do nosso tipo de organização social que se caracteriza pela COMPETITIVIDADE, tanto em relação ao meio ambiente como em relação a nossos semelhantes. Como se disse anteriormente, a dominação da natureza acaba produzindo a dominação do homem. (ROCHA, 2015, p.84)
- Direito e Religião:
A etapa intermediária entre o direito mágico das comunidades primárias e o direito de nossas sociedades com Estado foi, em muitos casos, o direito religioso e divino. Por todas as sociedades do Ocidente e por todas as civilizações antigas do Oriente houve ordenamentos jurídicos com base no divino. Isso levou à especialização de um clero e à preponderância de um segmento social formal por teólogos-juristas, que rapidamente construíram uma estrutura administrativa e burocrata que, ao sabor dos interesses dos grupos dominantes, estabelece os direitos e as sanções sociais a cada época. Assim, o direito e a religião, longe de ser instrumento de igualdade e justiça, passam a ser instrumento de poder efetivamente tomado como dominação social, econômica e política. O fim da magia é, igualmente, o fim de uma sociedade igualitária. O império da religião é o dos deuses voluntariosos usados como serviçais das elites poderosas. Quando o direito laico e posto pelos homens surgir e consolidar-se efetivamente, haverá de provar que a escrita da dominação religiosa no direito deverá desaparecer!(ROCHA, 2015, p.87)