"O torturador não é um ideólogo, não comete crime de opinião, não comete crime político, portanto. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado" (Ayres Brito)

terça-feira, 20 de agosto de 2019

DA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL


DA COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
1.     Introdução:
DA IMPOSSIBILIDADE DE CONTROLE UNIVERSAL: na impossibilidade de um controle universal no âmbito da Comunidade Internacional quanto a conduta de cada um dos Estados, justamente por conta da ausência de uma autoridade superior, a solução encontrada foi exatamente o estabelecimento de colaboração entre os entes do direito internacional público para sanarem suas próprias deficiências e coibirem o uso imoderado de seus poderes.
SURGIMENTO DA COOPERAÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL: surgiu dessa forma uma cooperação jurídica internacional em matéria penal que foi proposta exatamente pelas personalidades jurídicas de direito internacional público.
COOPERAÇÃO PENAL INTERESTATAL NO BRASIL: à guisa de exemplos, o ordenamento jurídico brasileiro contempla:
a)     a extradição;
b)    a carta rogatória;
c)     os pedidos de assistência jurídica e
d)    a homologação de sentença estrangeira

2.     DOS PRINCÍPIOS DA COOPERAÇÃO DOS ESTADOS EM MATÉRIA PENAL

2.1   Flexibilização das proposições fundamentais dos Estados

Se a noção se soberania foi cunhada no Tratado de Westfália (Vestefália 1648) com a célebre frase “Em meu território, minha religião, minhas leis” , foi somente com as atrocidades ocorridas na II Guerra Mundial que a comunidade internacional conseguiu chegar a um consenso quanto a importância de mitigar o conceito de soberania para que fosso possível em alguns casos a intervenção em terceiro Estado.
Neste sentido surge o princípio da Flexibilização das proposições fundamentais dos Estado. Para que os Estados possam colaborar entre si nos assuntos de natureza penal e, consequentemente, respeitem os direitos humanos, inicialmente, é inevitável e necessário que flexibilizem suas proposições fundamentais.
Outrossim, se os Estados não transigissem em relação a elementos de sua soberania seria impossível o trabalho em comum entre eles já que cada país consideraria adequado submeter-se apenas e exclusivamente à sua norma jurídica.
2.2   Respeito à dignidade da pessoa Humana
A Declaração Universal dos Direitos dos Direitos Humanos (1948) elevou à dignidade da pessoa humana ao status de “Super Princípio”.
Neste sentido, as disposições do direito internacional não devem se dirigir somente aos Estados, m as também aos indivíduos, e devem ser aplicadas de forma que se possa atingir o bem-estar do ser humano, promovendo sua educação no meio social, pois a pessoa é possuidora de direitos subjetivos e detentora de valores que merecem consideração.
Vale destacar que a dignidade é um valor intrínseco ao ser humano não sendo autorizado, portanto, no direito internacional, a execução de penas cruéis e infamantes, pois o poder punitivo não deve aplicar sanções que lesionem a constituição físico-psíquica do ser humano.
OBS. Esse foi um dos fundamentos do banimento da pena de morte no direito internacional e, até mesmo, a restrição de pena de prisão perpétua.
2.3   Garantia de coerção aos responsáveis
Houve a necessidade de se construir um comprometimento entre os sujeitos do direito internacional público na apuração de condutas ilícitas relacionadas, primordialmente, às questões criminais, concedendo, dessa forma, uma garantia de coerção aos responsáveis, principalmente nos delitos de guerra, crimes contra a humanidade, crimes contra a paz ou de agressão e quaisquer outros que configurem desobediência à Convenção de Genebra de 1949 e seus protocolos adicionais (1977).
OBS. Crimes contra a humanidade: assassinatos, massacres, desumanização, extermínio, experimentação humana, punições extrajudiciais, esquadrões da morte, desaparecimentos forçados, uso militar de crianças, sequestros, prisões injustas, estupro, escravidão, canibalismo, tortura e repressão política ou racial podem ser considerados crimes contra a humanidade caso praticados de forma generalizada ou sistemática.
2.4   Justiça Universal
O princípio da justiça universal, da universalidade do direito de punir ou cosmopolita é decorrente do princípio da “garantia de coerção aos responsáveis” e tem como fundamento a cooperação dos povos na repressão ao crime internacional, estabelecendo que as leis penais devem ser aplicadas a todas as pessoas, independentemente do lugar em que se encontrem ou da qualidade de seu cargo, emprego ou função. Neste sentido, qualquer Estado poderá punir um indivíduo pela prática de delito que tenha sido objeto de tratados internacionais.
3.     RELAÇÃO ENTRE O DIREITO PENAL E O DIREITO INTERNACIONAL
O direito internacional penal é indissociável do direito internacional público e possui a função primordial de possibilitar a investigação e o exame da tipificação internacional de crimes estabelecidos por meio de convenções e instauração de uma jurisdição penal internacional, através de tribunais internacionais de justiça penal.
O direito penal internacional envolve as normas internas que regulam os elementos de extraterritorialidade de uma determina situação penal, colidindo com uma ordem jurídica estrangeira em virtude de um criminoso, ou a vítima ou mesmo o lugar do ato a ser conexo à soberania.
4.     PRECEDENTES HISTÓRICOS DO TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL
É inquestionável, a despeito de uma minoria de autores internacionalistas, que os tribunais penais que surgem do Conselho de Segurança da ONU, como por exemplo o Tribunal Penal de Kosovo ou o Tribunal Penal de Ruanda, são expressão da mais pura excepcionalidade que ocasionou sua criação, que não consegue, no entanto, convalidar a sua condição de tribunais de exceção. No mesmo sentido, os tribunais de Nuremberg e de Tóquio foram tribunais de exceção.
Para resolver essa questão é que houve a necessidade de se regulamentar a criação de um Tribunal Penal Internacional.
O Estatuto de Roma é um tratado multilateral, stricto sensu, normativo, estático, territorial absoluto e aberto, o seja, ilimitado.
O Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional foi aprovado por meio de 120 Estados e teve sete votos contrários: Estados Unidos da América, China, Índia, Israel, Filipinas, Sri Lanka e Turquia.
RATIFICAÇÕES NECESSÁRIAS: no dia 11 de abril de 2002 foram alcançadas as 60 ratificações necessárias para a efetivação do Tribunal Penal Internacional.
ENTRADA EM VIGOR: em 1° de julho de 2002 o Estatuto de Roma entrou em vigor internacional correspondente ao primeiro dia do mês seguinte ao termo do período de sessenta dias após a data do depósito do sexagésimo instrumento de ratificação, de aceitação, de aprovação ou de adesão junto ao Secretário Geral das Nações Unidas, nos termos do de seu artigo 126, parágrafo primeiro.
A Corte do TPI está estabelecida em Haia, na Holanda, mas poderá funcionar em outro local sempre que se entender conveniente.


quarta-feira, 14 de agosto de 2019

ANTROPOLOGIA E PODER: DESDOBRAMENTOS

Até este ponto de nosso curso, pode-se dizer que tratamos as sociedades primárias como grupos humanos sem poder e sem Estado. Não são necessariamente sociedades sem práticas políticas. A política é um conjunto de atividades humanas planejadas e integradas culturalmente cujo objetivo é a regulação do poder. Obviamente isto pode acontecer sem a existência de um terceiro e exteriormente à comunidade, ou sem Estado. E pode também acontecer que no âmbito da política, ou entre as atividades sociais do grupo que visam à sua sobrevivência material entre atividades sociais do grupo que visam à sua sobrevivência material e espiritual e que, obrigatoriamente envolvem a todos, essas atividades estejam propositadamente diluídas de formas a impossibilitar o surgimento de um “governante” que acumule poder. Este é o caso das sociedades primárias. Entre elas, a “práxis” política é de tal forma que impede o exercício do poder de modo concentrado em UM-Único. Logo, impede também o surgimento do Estado. (SARACUSA ROCHA, 2015, p. 95).
Por sua vez, no Estado Moderno, nas sociedades complexas, devemos reconhecer que essa separação de autoridade e poder parte de nossas premissas filosóficas tradicionais, segundo as quais sempre nos parece que poder é Violência institucionalizada e consentida e que a violência do poder sempre é necessária para o convívio social. Por esse motivo não estranhamos a violência do Estado e achamos natural que o fazer político seja impregnado de estratégias não éticas e violentas. Se separarmos o poder da violência, quer dizer, se trabalharmos tais categorias como diferentes e mesmo opositoras, então fica mais claro que o problema não é o poder em si mesmo, mas as condições e os princípios em que se baseia seu exercício.
Nas sociedades primárias fazem-se política com obstinação em controlar o poder, mas não podem fugir da autoridade e coercibilidade enquanto grupo humano. Autoridade e poder se confundem muitas vezes e parecem mais identificados quanto mais a sociedade adquire complexidade e precisa fazer frente aos entreves da natureza e da convivência humana. Nas sociedades mais simples a noção de poder é quase nula; nas de alguma complexidade a noção de poder começa a fazer sentido maior; entre nós, as sociedades modernas industriais, o poder já é sinônimo de violência. (SARACUSA ROCHA, 2015, p. 100).

ESTADO DE EXCEÇÃO (PEDRO ESTEVAM SERRANO):


O ESTADO DE EXCEÇÃO:



A SELETIVIDADE DO DIREITO BRASILEIRO (RUBENS R R CASARA):



PODER E VIOLÊNCIA EM HANNAH ARENDT


O pensamento de Hannah Arendt (1906/1975) é fundamental para entendermos a questão que envolve a nossa filosofia antropológica do direito. Para Arendt o poder está alicerçado em dois conceitos concêntricos:
- a Separação entre Poder e Violência
- a Ocupação do espaço público.
Para Arendt Autoridade e Poder se complementam e essa subordinação do poder à autoridade se opõem ao autoritarismo e a violência. É exatamente da ocupação do espaço público de forma pró-ativa que os homens retiram a essência da legitimidade da autoridade que designa o poder como forma política do existir humano.
De forma contrária, uma participação no espaço público reativa, omissiva, corresponde um vácuo de poder, ao mesmo tempo a negação da própria “condição humana” e a condição profícua para o totalitarismo, forma extrema de ilegalidade, arbítrio, truculência e “banalização do mal”.
- PARTICIPAÇÃO – autoridade, legitimidade, poder, democracia (liberdade coletiva possível).
- OMISSÃO – autoritarismo, legalidade residual, violência, totalitarismo (fim do pensamento).
A grande indagação do pensamento arendtiano pode ser resumido na questão: “O que leva o homem, ser racional, a construir a existência humana como supérflua e a perpetrar o terror como forma banal do mal?
O Século XX provou a verdadeira face oculta do homem: para além do trabalho, do econômico, do religioso e do político, quando a omissão e apatia pela coisa pública e pela coletividade se instalam socialmente, os homens estão prontos para a total perversão e bestialidade contra a própria espécie, e de nada valem a razão, a ciência, a tecnologia, a diplomacia, bastando para isso que certas condições sociopolíticas se apresentem.
É exatamente nesses momentos, quando a omissão e apatia imperam, que todo o engenho humano se coloca a favor da destruição. Na base desses projetos “satânicos” está o simples fato do esvaziamento do pensar; não importa a relação com as ideologias e as grandes narrativas políticas de Esquerda ou de Direita. Nesses períodos a soberania é realmente o poder no meio do caos como estado de exceção (Teologia política de Carl Schimitt).
Dessa forma o fracasso da atividade filosófica, do pensamento singular e subjetivo do homem moderno, é o fracasso da razão que objetivou tudo e todos, inclusive a filosofia e os intelectuais e cientistasSEM O OUTRO EU, SEM O PENSAR COMIGO MESMO, SEM A AUTORREFLEXÃO, TUDO SE REDUZ À RAZÃO INSTRUMENTALISTA NO CICLO DE PRODUÇÃO-CONSUMO, TUDO SE EXTINGUE NO ESTRITO CUMPRIMENTO “ENENCÉFALO” DOS CÓDIGOS, DOS MANUAIS, DOS PROCESSOS, DA MANIPULAÇÃO “TÉCNICO-MEDIÁTICA DA LINGUAGEM, DO REINO DA FORMA SOBRE O CONTEÚDO.
O homem que não pensa consigo mesmo não tem uma moral, não pode ser ético, não pode optar, não ode ser livre, não pode respeitar a si mesmo, e, consequentemente, não pode respeitar o próximo, acatar a opção do semelhante. Neste esvaziamento do ser-para-si, banaliza o outro, reduz a existência humana a quase nada, não distingue o bem do mal, o certo do errado, e deixa-se levar como rebanho ao paroxismo da bestialidade.
Quando Eichmann (general nazista administrador e encarregado da logística dos campos de concentração como Auschwitz) foi julgado em Israel, disse: “Se, no estrito cumprimento de meu dever, tivesse de enviar meu pai e minha mãe para um campo de concentração, não teria dúvidas em fazê-lo”. É essa mentalidade que se mostra totalmente despida de valores em razão de uma instrumentação codificada do direito, um vazio de pensar consigo mesmo, uma preparação pessoal para a convivência coletiva, para a observação da diversidade, para a construção da tolerância.
Dessa forma a questão moral fundamental é construída tendo como base “não a obediência a uma lei externa, mas ao interesse em ser consistente comigo mesmo, o que é possível somente se se instaura o diálogo sem som de mim comigo mesmo.
FONTE: Antropologia Jurídica: geral e do Brasil: para uma filosofia antropológica do Direito. José Manuel de Sacadura Rocha.