"O torturador não é um ideólogo, não comete crime de opinião, não comete crime político, portanto. O torturador é um monstro, é um desnaturado, é um tarado" (Ayres Brito)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MEU DESPERTAR PARA A CIÊNCIA, O MUNDO, OS DIREITOS HUMANOS, O DIREITO À MEMÓRIA E À VERDADE E POR UMA JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL


Sempre gostei de política, acredito que o gosto tenha origem no meu avô materno, João Estanislau do Hervau Martins, do qual ainda herdei o gosto por leituras, por livros e também a desorganização de meu escritório, além é claro, da característica mais marcante “dos Martins”, ser comilão rs!.
Tive em minha educação, desde a tenra idade, a noção do que é certo ou errado, do justo e do injusto. Minha mãe sempre se preocupou em nos transmitir princípios de justiça, ética e valores morais, seja por meio de histórias que fazia questão de ler, seja por meio da forma como resolvia os conflitos naturais entre eu e minhas irmãs, ou por meio de ensinamentos quando questionada por alguma razão a respeito dos mais diversos assuntos.
Acredito que desde cedo fui uma criança um pouco diferente, acho que preocupada, cedo demais, com questões relacionadas à vida dos adultos, que não deveriam incomodar uma criança. Questões relacionadas com justiça social, economia, liberdade de expressão, democracia, e até mesmo morte me inquietavam e obrigavam minha mãe a se desdobrar para explicar tais assuntos de forma mais apropriada para uma criança.
Lembro de questionar a nossa Secretária e minha mãe sobre a razão da geladeira dar choques e os motivos do “pano seco”, a forma como me referia ao “Pano de Prato” de lavar louças, evitar tais ocorrências, mas o “pano molhado” não evitá-las, surgia meu interesse pela ciência (principalmente a física e a química, neste momento).
Acredito que tinha uns quatro ou cinco anos, não sei ao certo, mas lembro de nossa Secretária me contar, enquanto lavava a louça do almoço que existia a Morte, ou seja, que as pessoas morriam. Não lembro a razão de tocarmos neste assunto, mas lembro que isso foi um verdadeiro choque, “entrei em parafuso” literalmente, não conseguia compreender a razão das pessoas terem que morrer e passei a ter um súbito medo de meus pais morrerem, em especial de minha mãe que trabalhava fora. Nossa!!!, teve um período que não desgrudava dela, rs!, achava que ia morrer a qualquer momento e me deixar sozinho, enfim, foi um sufoco para mim e para meus pais que tiveram que lidar com essa criança demasiadamente questionadora desde cedo rs! e até para minhas irmãs, em especial minha irmã Claudia que era mais nova do que eu e acabou recebendo um pouco menos de atenção por conta desta fase.
O assunto morte realmente foi algo que demorei em aprender a lidar. Lembro de uma outra passagem de minha infância em que tínhamos uma gatinha (o curioso é que lembro que tínhamos uma gatinha, mas não recordo sequer como era rs!). O fato é que tinha um gato (felino, é bom deixar claro, rs!) que ficava indo lá em casa por conta desta nossa gatinha e um dia resolvi correr atrás dele com um cabo de vassoura. O gato ia correndo e eu batendo o cabo de vassoura no chão. Não obstante, o pior ocorreu, acabei acertando o gato no pescoço e o mesmo veio a óbito. Naquele dia matei um ser vivo um animal, que horror!!! Lembro-me como se fosse hoje de perguntar para minha mãe se eu fosse lá e tentasse “descolar” o pescoço do gato, se ele voltaria a viver. É! Realmente, o assunto morte foi um tabu durante muito tempo em minha vida. E sim!, Fui muitíssimo “arteiro” e não me orgulho de ter matado o coitado do animal rs!.
Estranho, mas lembro do dia em que minha mãe me explicou que era perigoso falar mal do Governo e que meu avô até teve que enterrar alguns livros em latas no fundo do quintal de uma das casas em que moraram. Tinha início minha curiosidade a respeito de política e liberdade de expressão.
Recordo-me também de um amigo muito pobre, que morava em São Paulo e vinha passar as férias com os avós em Jales. Na verdade, tempos depois, consegui compreender que ele não vinha passar as férias com os avós e sim, era poupado da forme e da miséria em que seus pais viviam na Capital do Estado.
Nesta mesma época, lembro perfeitamente de um dia em que estava brincando na frente de minha casa com esse amigo e minha mãe me chamou muito brava para entrar dentro de casa e não sair do interior da residência. Havia ocorrido o acidente nuclear de Chernobil (1986), e naquela manhã de sábado havia dado a notícia na TV de que a  nuvem radioativa estaria passando sobre o Brasil. O Mundo se abalara diante do mais grave acidente nuclear de sua história e a humanidade não sabia muito bem quais seriam os efeitos daquele acidente (mais tarde, constatou-se que a nuvem radioativa estava muito alta para causar danos em nosso país, mas que os países vizinhos da antiga União Soviética haviam sofrido riscos e danos reais).
A partir daí, tive enorme interesse em estudar a Guerra Fria, assistir a filmes relacionados a possíveis Guerras Nucleares que levariam o mundo a um Inverno Nuclear e ao fim da humanidade. Desenvolvi uma curiosidade infindável por tais assuntos. Pronto!! Surgia definitivamente meu interesse pelos Direitos Humanos.
Meus estudos na tentativa de tentar entender um “Mundo bipolar” dividido entre Comunismo e Capitalismo, razão de muitas guerras e horrores, me levaram a triste constatação de que os Estados Unidos da América não eram bem os “mocinhos”. Confesso que foi um “duro baque”, até então, a imagem que tinha deste país era a de uma nação defensora da paz, da liberdade, ás histórias da Independência das 13 Colônias sempre me fascinara, da justiça, e que tinha sido a primeira nação do mundo a chegar ao nosso satélite natural a Lua.
Imaginem que situação!! E razão de todo o meu descontentamento!!. Meu pai, quando o homem foi a Lua, ainda não tinha um filho, mas previu que teria e guardou recortes de jornais da época. Mais tarde me deu esses recortes que tenho até hoje. Até então, aquele país, de acordo com o discernimento que tinha, fazia parte do que hoje é falaciosamente classificado de “Eixo do bem” e, de repente, compreendi, tudo ao mesmo tempo, que não era bem assim, que a história da humanidade é muito mais complexa, que os soldados não eram os “mocinhos” e os índios os “vilões”. Iniciava neste momento minha independência intelectual da “Cultura Americana” e meu interesse pela Ética.
Outrossim, estudando a “bipolaridade” mundial e conseguindo compreender a razão de várias guerras mundiais ocorridas após a II GM, foi fácil compreender que os Estados Unidos da América haviam financiado as Ditaduras Militares da América Latina com a nobre missão de “Combater o Comunismo”. Surgia meu interesse pela Ditadura Militar ocorrida no Brasil, o Golpe Militar de 1964, meu interesse pelos livros e filmes relacionados com aquele período. O livro “Brasil Nunca Mais” foi meu primeiro contato com os horrores da ditadura brasileira, salvo engano, tive em minhas mãos pela primeira vez um exemplar que constava na Biblioteca Municipal de Jales que era localizada na escola em que exercia o meu direito-dever de votar, até tomar posse no Concurso Público de Docente da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e transferir o meu título Eleitoral para o município de Paranaíba-MS.
Enfim, pude compreender que as relações internacionais não são muito fáceis de entender, não sendo nada confortável definir os países que pertencem ao que hoje é definido por “Eixo do Bem” ou “Eixo do Mal”. Surgia assim, meu interesse pelo Direito Internacional, matéria que ministro aulas há seis anos no Curso de Direito. Nossa vida é realmente fascinante. Tenho vários recortes de jornais a respeito da Guerra Fria e nem imaginava que lecionaria Direito Internacional Público e Privado um dia.
Hoje, ao final destas reflexões, constatei algo que me deixou estarrecido. Se tivesse nascido algum tempo antes, certamente seria um adolescente ou um jovem universitário que teria vivido no auge da Ditadura Militar brasileira. Com todas essas inquietações que me acompanham desde a tenra idade, provavelmente teria sido um militante, um “subversivo” e as chances de não estar vivo hoje seriam enormes. Aflora assim de forma inquietante meu desejo em lutar pelo Direito à Memória e à Verdade, e por uma verdadeira “Justiça de Transição” no Brasil.

5 comentários:

  1. É meu caro Alessandro, podemos perceber, em função da morte do gato ou dos livros enterrados no quintal, entre outras passagens, uma relação muito particular entre História, Memória e Verdade (elementos que quase sempre se excluem). Bom início de memorial. Crônica desabafo político-científica. Parabéns pelo blog. Abraço. Rodrigo.

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  2. Percebemos que a formação de um profissional se dá durante o decorrer de uma vida inteira, e não somente na Universidade...ótimo texto...

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  3. Parabéns pela crônica! Histórias, memórias, reflexões,idéias, ideais, sonhos,decisões tomadas com ética, repeito e valorização do outro sempre fizeram parte de tua história de vida, desde muito pequeno. Te amo, meu filho e tenho um orgulho imenso do "GRANDE HOMEM, FILHO E MESTRE" que és.

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  4. Professor, parabens pela crônica!

    Ainda não conhecia o seu blog, mas já estou encantada com tanta coisa boa que posso desfrutar!rs

    Quanto a época que não vivi, concordo plenamente e tambem tenho certeza q se fosse diferente, já estaria morta!

    Vou acompanhar sempre seus post agora!

    Beijos
    =)

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