RESUMO: O objeto desse trabalho foi demonstrar que o consumidor brasileiro não se encontra desamparado no ordenamento jurídico brasileiro em razão da falta de leis específicas que cuidam do superendividamento do consumidor. Não obstante, apesar de encontrar proteção jurídica no Código Civil atual e no Código de Defesa do Consumidor, se faz necessário com urgência que o legislador trate do assunto a exemplo do que foi feito na Alemanha e na França.
PALAVRAS CHAVES: consumidor, direitos, superendividamento.
1 Introdução
O endividamento do consumidor é fato consumado em qualquer tipo de sociedade, seja em países desenvolvidos seja em países em desenvolvimento é possível encontrar com alguma facilidade a ocorrência desta figura jurídica, sendo evidente, que haverá maior concentração de endividados no segundo caso em razão de crises econômicas e conseqüentemente de altos índices de desemprego.
Para piorar a situação, geralmente os países em desenvolvimento não possuem legislação especial tratando do assunto, a exemplo do que se pode observar em países desenvolvidos do continente europeu, como a Alemanha e a França.
Não obstante, felizmente, no caso brasileiro, apesar do legislador ainda não ter providenciado legislação especial tratando do caso, o aplicador da lei pode se amparar no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor para proteger o cidadão vítima do superendividamento, como já vem ocorrendo.
2. Desenvolvimento
Inicialmente se faz salutar conceituar a matéria. Segundo a jurista Claudia Lima Marques: “o superendividamento é a impossibilidade do devedor, pessoa física, leigo e de boa fé, pagar suas dívidas de consumo”.1
Referido fenômeno jurídico se materializa de duas formas, ainda aproveitando-se das palavras de referida jurista: 1) Superendividamento Ativo que é fruto de uma acumulação inconsiderada de dívidas, desde que de boa fé, conhecido também como endividamento compulsório; 2) Superendividamento Passivo que é aquele provocado por um imprevisto da vida moderna, ou seja, a dívida proveniente do desemprego, da doença que acomete uma pessoa da família, pela separação do casal, entre outros2.
Assim, é importante deixar claro que a lei não irá proteger indiscriminadamente qualquer tipo de insolvência, e sim, apenas aquelas em que o endividado não agiu de má fé, ou seja, não provocou o endividamento para depois buscar ajuda legal utilizando-se da proteção dada ao superendividado, e também, o sujeito leigo, ou seja, aquele sujeito que não é leigo, que possui formação técnica, científica e superior de finanças, por exemplo, não receberá proteção do ordenamento jurídico já que tinha condições de identificar o possível superendividamento e prevenir-se em tempo.
Não obstante, quanto a pessoa não leiga, entendo que em alguns casos será possível que esta também seja defendida pela legislação em questão, já que, é possível ocorrer o endividamento passivo de uma pessoa, mesmo que esta seja uma sumidade no assunto, na medida em que qualquer consumidor está sujeito ao endividamento passivo, como veremos a seguir.
É que como já foi dito, existe duas formas de endividamento, o ativo, que muitas vezes se materializa quando o consumidor tenta manter o padrão de vida que tinha há dez anos e o passivo, que é a ocorrência de um imprevisto na vida do consumidor, materializando-se através da sua doença ou da doença de alguém da família. Nestes casos, mesmo que o consumidor não seja leigo, ele não poderia ter se precavido quanto ao endividamento, merecendo a proteção jurídica também.
2.2. Da legislação pátria
Apesar do legislador brasileiro ainda não ter se preocupado em desenvolver uma legislação específica que trate do superendividamento do nosso consumidor, podemos apontar como solução do problema princípios como o da boa fé objetiva, do equilíbrio contratual e da função social dos contratos, bem como preceitos autorizadores da revisão contratual, de controle da publicidade, de controle de cláusulas abusivas, combate à onerosidade excessiva dos contratos e muitos outros, todos previsto no novo Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor como forma eficiente de proteger o consumidor superendividado e evitar assim a sua possível morte civil, ou seja, que este consumidor seja impossibilitado de realizar alguns tipos de negócio, como compras a crédito por exemplo.
Como exemplo do que acabamos de expor, podemos discorrer um pouco mais a respeito do princípio da boa fé objetiva já largamente utilizado pelos juízes e tribunais brasileiro e que foi recepcionado no Código de Defesa do Consumidor e no Código Civil atual em várias passagens.
O Código Civil atual determinou que a observância do princípio da boa fé é imprescindível para a realização de contratos, determinação esta prevista no artigo 113 deste Estatuto Legal, senão vejamos:
“Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”.
Este princípio é tão importante para o ordenamento jurídico brasileiro que podemos dizer que ao mesmo tempo é considerado um princípio geral, um conceito indeterminado e também uma cláusula geral.
Como princípio geral, podemos citar o artigo 4º, III do Código de Defesa do Consumidor:
“A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transferência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
...
III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;”
Observe assim que toda relação de consumo deverá obrigatoriamente buscar a harmonização dos interesses de seus participantes utilizando-se sempre da boa-fé na finalização dos contratos e até mesmo na renegociação destes.
O princípio da boa fé é também considerado conceito indeterminado, como podemos observar na redação do artigo 51, IV do Código de Defesa do Consumidor, senão vejamos:
“São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
É considerado conceito indeterminado por não ter previsto o legislador de forma clara os casos em que uma atitude do fornecedor pode ou não ser considerada incompatível com a boa-fé, cabendo assim referida função ao aplicador do direito em geral.
Mas, apesar de ser norma indeterminada, referido princípio é considerado também uma cláusula geral de contratos que devem ser seguidas por todas as partes. Assim, quando referido princípio tratar de comportamentos que devem ser observados pelas partes de um negócio jurídico, a referida norma indeterminada passa a ser considerada ainda uma cláusula geral.
Isto quer dizer, que apesar de ser considerada norma indeterminada, a observância da boa-fé pelas partes envolvidas em um contrato é cláusula obrigatória que poderá levar a revisão contratual ou até mesmo a resolução do contrato. Dessa forma, a imposição deste princípio gera um dever de cooperação entre os contratantes, obrigando o fornecedor a cooperar para evitar a ocorrência da ruína financeira do consumidor e conseqüentemente sua morte civil.
Além do princípio da boa fé, poderíamos utilizar o artigo 6º, inciso VI do Código de Defesa do Consumidor, como forma de obrigar o fornecedor a cooperar com o devedor e renegociar os contratos, senão vejamos o texto em questão:
“São direitos básicos do consumidor:
...
VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos”.
Ora, se o consumidor vir a sofrer uma condição de insolvência que determine sua morte civil, com a impossibilidade de realizar novos contratos a prazo no comércio e a conseqüente negativação de seu nome junto aos serviços especializados de proteção ao crédito, estará configurada a ocorrência de danos morais e materiais à pessoa do consumidor, danos estes que poderiam ter sido evitados com a cooperação do fornecedor e a renegociação da dívida.
Outrossim, o consumidor pode ainda obrigar o fornecedor a rever clausulas contratuais utilizando-se do disposto no artigo 6, inciso V do Código de defesa do consumidor, senão vejamos:
“São direitos básicos do consumidor:
...
V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.
Percebe-se assim, que o fornecedor está obrigado a cooperar com o consumidor superendividado, mesmo não havendo previsão especial no ordenamento jurídico brasileiro, já que as normas aqui citadas são todas de ordem pública, devendo ser respeitadas por todos.
3. Conclusão
Apesar do ordenamento jurídico brasileiro não apresentar leis especiais tratando especificamente do superendividamento do consumidor, este não está desamparado, podendo o aplicador da lei utilizar-se do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil atual, e, este foi exatamente o objetivo deste ensaio jurídico, demonstrar esta possibilidade.
Não obstante, isto não exime o legislador de aperfeiçoar nosso ordenamento jurídico apresentando leis especiais que tratem do assunto prevendo, por exemplo, a obrigatoriedade da cooperação contratual, da dilação de prazos, parcelamentos compulsórios, do perdão dos juros e em alguns casos até mesmo do principal e estabelecimento de formas de controle da divulgação publicitária e disposição das linhas de créditos oferecidas ao consumidor.
Com a oferta cada vez maior do crédito fácil oriundo dos contratos que permitam a consignação em folha de pagamento, somado ao crescimento de lojas que estimulam o consumo através do crediário, como as Casas Bahia, Magazine Luíza, Pernambucanas, dentre outras, fica cada vez maior a necessidade da criação de leis especiais tratando do consumidor superendividado.
4. Bibliografia
ALMEIDA, João Batista de. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003.
BARLETTA, Fabiana Rodrigues. A revisão contratual no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2002.
FELIPE, Jorge Franklin Alves. Contratos bancários em juízo. 2. 2d. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
EFING, Antonio Carlos. Contratos e procedimentos bancários à luz do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
MARQUES, Claudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoa física em contratos de crédito ao consumo. Revista Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 14, nº 55, p.11-52, Julho-Setembro de 2005.
PRADO, Alessandro Martins. A proteção do consumidor superendividado. Revista Interativa. Jales: Empório da Arte, ano I, nº 01, p. 14, Abril de 2006
SHARP JR., Ronald. Código de Defesa do Consumidor Anotado. 2. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
SILVA, Jorge Alberto de Quadros de Carvalho. Cláusulas abusivas no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2003.
1 MARQUES, Claudia Lima. Sugestões para uma lei sobre o tratamento do superendividamento de pessoa física em contratos de crédito ao consumo. Revista Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 14, nº 55, p.11-52, Julho-Setembro de 2005.
2 PRADO, Alessandro Martins. A proteção do consumidor superendividado. Revista Interativa. Jales: Empório da Arte, ano I, nº 01, p. 14, Abril de 2006.
Nenhum comentário:
Postar um comentário